sexta-feira, dezembro 14, 2012

Anna Karenina e o prazer...


... da leitura e da música!

Ainda por causa desta onda de amor ressuscitado por «Anna Karenina», lembrei-me desta passagem. E lá ainda duas faixas, à sorte, da banda sonora do filme - em «Clerks» ouve-se o comboio ;)
 
 
 
 


Esta aversão à leitura é ainda mais inconcebível, se pertencemos a uma geração, a uma época, a um meio, a uma família em que a tendência era exactamente para nos impedir que lêssemos.
- Para de ler, vais estragar os olhos!
- Vai lá para fora brincar, está um dia lindo.
...
 - Apaga a luz! Já é tarde!
Nesse tempo, os dias estavam sempre demasiadamente bonitos para os desperdiçar com leituras, e as noites eram demasiadamente escuras.
Note-se que, quer se lesse quer não se lesse, o verbo já era conjugado no imperativo. Mesmo no passado já era assim. De certo modo, ler era um ato subversivo. À descoberta do romance acrescia a excitação da desobediência à família. Era um duplo esplendor! Ah, a magnífica recordação de horas de leitura às escondidas, debaixo dos lençóis, à luz da lanterna. Como galopava a Anna Karenina ao encontro do seu Vronski, àquelas horas da noite! Amavam-se um ao outro, o que já era magnífico, mas amavam-se enfrentando a proibição de ler, o que era ainda melhor! Amavam-se contra a vontade do pai e da mãe,contra o trabalho de matemática por acabar, contra a redacção, contra o quarto por arrumar, amavam-se em vez de irem para a mesa, amavam-se antes da sobremesa, preferiam estar um com o outro a irem ao futebol ou a apanharem cogumelos… tinham-se escolhido um ao outro, nada mais queriam que estar um com o outro… meu Deus, como o amor é belo!

E como um romance se lê num instante!

E acima de tudo lemos contra a morte.


Daniel Pennac, Como um Romance

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