sexta-feira, dezembro 31, 2010

Desejo de meia-noite

«Midnight Swim», Javier Navarrete (ost Cracks)


2011 aproxima-se.
tempo de fazer votos, promessas, compromissos
todos eles de vidro, mais cedo ou mais tarde.

saibamos vivê-lo bem
e a meia-noite sirva ao menos como símbolo para uma vida melhor.
sem medos, como quando se mergulha de olhos abertos.
é o que desejo para todos nós.

Pensamento mais ou menos luxurioso

Porque não há-de o teu coração fazer fronteira com o meu,
quando nos trocam os nomes
e nos pensam o mesmo?


Que será do teu quando me desp(ed)ir em morte?


«Lustful Thoughts», Javier Navarrete (ost Cracks)

terça-feira, dezembro 28, 2010

dois poemas de Else Lasker-Schüler


Reconciliação

Há-de uma grande estrela cair no meu colo...
A noite será de vigília,

E rezaremos em línguas
Entalhadas como harpas.

Será noite de reconciliação -
Há tanto Deus a derramar-se em nós.

Crianças são os nossos corações,
anseiam pela paz, doces-cansados.

E nossos lábios desejam beijar-se -
Por que hesitas?

Não faz meu coração fronteira com o teu?
O teu sangue não pára de dar cor às minhas faces.

Será noite de reconciliação,
Se nos dermos, a morte não virá.

Há-de uma grande estrela cair no meu colo.


*****

David e Jónatas

(I Samuel, 18)

Na Bílblia estamos escritos
Num abraço de cores vivas.

Mas os nossos jogos de meninos estão
Vivos também na nossa estrela.

Eu sou David,
Tu, o meu companheiro de brinquedos.

Ah, os dois tingíamos de vermelho
Os nossos corações brancos de carneiro!

Como as flores em botão nos salmos do amor
Sob o céu de um dia de festa.

Mas os teus olhos de despedida, os teus olhos -
Estás sempre a despedir-te no silêncio do beijo.

E o teu coração, que fará
Ainda sem o meu?

A tua noite doce
Sem as minhas canções?


Baladas Hebraicas, Else Lasker-Schüller, Assírio & Alvim, p.45, 69

domingo, dezembro 26, 2010

Desafio em Dezembro


Dezembro. Além de recuperar Gonçalo M. Tavares, que adoro, a (re)descoberta de Manuel Jorge Marmelo (já tinha lido O Profundo Silêncio das Manhãs de Domingo), de que gosto muito também e que li de enfiada, como fiz com Mário de Carvalho no mês anterior e espero repetir com outros autores em breve, e Nuno Markl e sua fantástica viagem pelos anos 80 (os 70 não me dizem nada, claro). do resto não falo, por desilusão.
e eis que o desafio de 2010 chega ao fim. com balanço positivo, claro. 130 livros (tinha previsto este ano só 80, pois ia dedicar-me a encontrar tema e corpus para um doutoramento - o que não fiz), ou seja, 21336 páginas - o meu melhor de sempre, além de 220 filmes (o objectivo era de apenas 183, um de dois em dois dias). como tudo correu muito bem e eu não tenho vida mesmo, mantenho os desafios com os números: 100 livros e 200 filmes, mais coisa menos coisa. 21 peças de teatro, 7 concertos - quiçá chegarei a estes números em 2011, mas este ano foi bom :)

livros:
121. O Senhor Eliot e as conferências, Gonçalo M. Tavares, Caminho, 84p.*****
122. Histórias Falsas, Gonçalo M. Tavares, Bis/Leya, 96p.*****
123. O Homem que Julgou Morrer de Amor, Manuel Jorge Marmelo, Campo das Letras, 104p.****
124. Os Fantasmas de Pessoa, Manuel Jorge Marmelo, Asa, 128p.***
125. Oito Cidades e uma Carta de Amor, Manuel Jorge Marmelo, Campo das Letras, 120p.***
126. O Silêncio de um Homem Só, Manuel Jorge Marmelo, Campo das Letras, 120p.*****
127. Aonde o Vento me Levar, Manuel Jorge Marmelo, Campo das Letras, 160p.*****
128. Fernão Capelo Gaivota, Richard Bach, Europa-América, 106p.**
129. Novela Lírica, Annemarie Schwarzenbach, Granito, 112p.**
130. Caderneta de Cromos, Nuno Markl, Objectiva, 224p.*****

filmes:
199. The Day of The Triffids, Nick Copus**
200. Duplicity, Tony Gilroy**
201. Alvin and the Chipmunks, Tim Hill***
202. Confessions of a Shopaholic, P. J. Hogan****
203. Holiday in Handcuffs, Rob Underwood***
204. Love in time of cholera, Mike Newell***
205. A lenda de Despereaux, Sam Fell e Robert Stevenhagen****
206. Bedtime Stories, Adam Shankman****
207. Corrida Mortal, Paul W. S. Anderson*
208. O Chihuahua de Beverly Hills, Raja Gosnell**
209. Uma Casa na Pradaria, David L. Cummingham**
210. Creation, Jon Amiel*****
211. Jumper, Doug Liman****
212. Hostel, Eli Roth*
213. A Educação das Fadas, José Luís Cerda****
214. The Raspberry Reich, Bruce La Bruce*
215. Inception, Christopher Nolan*****
216. Leap Year, Anand Tucker****(*)
217. As Crónicas de Spiderwick, Mark Water***
218. Sexo com Amor, Wolf Maya**
219. Four Christmases, Seth Gordon****
220. The Last Station, Michael Hoffman*****

terça-feira, dezembro 21, 2010

Poema de Natal, 2010


Natal de 1972

Neste comércio festivo que há dois mil anos quase
perdura mal cobrindo remendadamente
o solstício do Inverno e os deuses sempre vivos
de cuja falsa morte o mundo paga em crimes,
como em vileza humana, o medo que escolheu
quando ao claror da aurora rósea e livre
de viver como os deuses e com eles
preferiu a lei e a ordem projectadas
na sombra em sombras da caverna obscura
e desejou o mal em preço de ser-se homem —
tudo o que em milhares de anos é tribal
congrega-se feliz num doce rebolar-se
da traição de que fomos contra a vida.
Tão vil que levou séculos a inventar
um deus assassinado para desculpá-la,
e fez dele o comércio das famílias
que cortam no peru as raivas de existirem,
beijando-se visguentas, comovidas,
tal como têm babado os pés dos deuses,
ah não eles mesmos mas imagens vãs
que não resplendam da grandeza humana.
Alguma vez teremos o dinheiro
para comprar de novo o Paraíso,
em vez de prendas para o sapatinho?
O Paraíso aqui — aquele que venderam
no começar do mundo. E que nos trocam
por outros no futuro ou nos aléns,
agora, aqui, aberto a todos, claro
- um sol sem fim nos bosques ou nas praias,
uma nudez sem morte nos corpos sem alma.


Jorge de Sena, in: Natal... Natais - Oito séculos de Poesia sobre o Natal, antologia organizada por Vasco Graça Moura (Público, 2005:275)

o Natal já anda aí



Mariah Carey, Christmas time is in the air again (ao vivo)

Mariah Carey, When Christmas Comes (ao vivo, inc.)

terça-feira, dezembro 14, 2010

Antínoo


Busto de Antínoo de Villa Adriana (Museu do Louvre)


Pois chegou a casa a revista «Forma Breve», n.º 7, onde já publiquei, num número anterior. Desta vez o tema era «Homografias. Literatura e homoerotismo» e, embora pouco percebendo das questões de género e sexualidade na literatura, achei boa altura para estudar a figura de Antinoos na poesia portuguesa contemporânea (muito parecido com o que fiz com a Penélope, para um congresso na FACFIL). Com um ano de atraso, a revista chegou-me mesmo, e com o meu artigo: «Esse humano que foi como um deus grego: Antínoo entre eros e thanatos na poesia portuguesa contemporânea», do qual espero ainda fazer a sequela: Esse humano que ainda é como um deus grego: Antínoo à luz de Sophia e Jorge de Sena» (ou qualquer coisa assim parecida). Fica aqui um excerto:



«Ainda em Dual, na secção V «Arquipélago», encontra-se:

Lamentação de Adriano sobre a morte de Antínoos

Não escreverei mais o meu nome em letras gregas sobre a cera das tabuinhas
Porque estás morto
E contigo morreu o meu projecto de viver a condição divina (Andresen, 2004:64)

O poema, embora parta da mesma história que os anteriores, tem uma construção e temática muito diversa deles. Notavelmente mais breve, aqui o sujeito poético é identificado com Adriano que, em tom de lamentação já anunciado pelo título, assume uma perspectiva de compromisso perante a morte do amado. Esse compromisso revela uma certa negação do futuro. Não está presente a descrição física, mas antes a descrição indirecta do estado psicológico de quem fica vivo e em sofrimento que leva a uma vontade de auto-anulação: o sofrimento provocado pela morte, a solidão provocada pela ausência levam Adriano a desistir do seu «projecto de viver a condição divina», pois a morte física de Antínoo provoca uma espécie de morte espiritual de Adriano, como se morressem ambos com a morte física de apenas um deles. Está subjacente aqui a ideia de que o amor é capaz de pôr em acordo a condição humana e a condição divina, mas que a morte é capaz de destruir esse acordo, pelo menos numa fase inicial (repare-se que o poema permite a leitura de Adriano se dirigir directamente ao corpo morto de Antínoo). A destruição do amado leva à destruição do próprio mundo: amar alguém é amar o mundo em que esse alguém se encontra – e a destruição vai nos dois sentidos».

«Forma Breve 7, Homografias. Literatura e homoerotismo», Universidade de Aveiro, 2009, p.126-127

nota:
já nem me lembrava que também aqui tinham já surgido poemas meus sobre a figura... totinho.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Prefacio-te





Como não tenho foto tua, nem fui escolhida pelo David, faço o que posso e ... toma.


"They don't understand..."


Gireza is in the building