sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Sugestões de Fevereiro

As coisas que povoaram o meu mês de Fevereiro. Aqui a revisão e as sugestões:
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Livros:

1 – Bíblia (Eclesiástico, Isaías), Paulus

argumentos: sem grandes argumentos… Eclesiástico é um conjunto de recomendações ou procedimentos moralizantes que no fundo repetem o que já está para trás… e a desorganização é um pouco irritante. «O orvalho abranda o calor, e a palavra é melhor que o presente» Eclo 18, 16. Isaías, o primeiro dos livros proféticos é mais interessante.***

2 – O Sonhador, Ian McEwan, Booket

argumentos: uma história de um menino sonhador que se tornará num escritor: as aventuras com as bonecas da irmã, a troca de corpo com o gato (uma das minhas passagens favoritas, claro), a forma de derrotar rufiões na escola e visões sobre o que é ser bebé ou ser adulto. Agradável para ser lido a/por crianças, jovens e adultos. «o próprio facto de nos habituarmos a viver com mistérios é em si um mistério»p.62****


3 – Onde vais Drama-Poesia?, Maria Gabriela Llansol, Relógio d’Água

argumentos: embora tenha uma relação de conflito com esta escrita que nem sempre é fácil e dentro das lógicas a que estamos habituados («ler é ser chamado a um combate, a um drama»p.18), gostei deste livro. Pelas reflexões metatextuais, pelas relações intertextuais hetero e auto-autorais. Mais: «escrever e dizer não são sinónimos _________ como qualquer pessoa, tenho opiniões sobre o processo do mundo; essas opiniões são ditos; o texto vê e não opina; nem aconselha»p.185, ou «Damos nomes ao que somos juntos, reconhecendo que o Amor é o seu único nome, mas tememos dizê-lo para não apressar a morte.»p.287****


4 – Poeta Militante II, José Gomes Ferreira, Círculo de Leitores

argumentos: mais do mesmo, que é mais de outra beleza. Como ficar indiferente a «(Um dos grandes acontecimentos do século XX. Encontrei uma pedra no campo e beijei-a.)»p.22 – porque não será este um dos grandes momentos do século em que se moveu? Mas surgem outros, e fortes, até porque «o tempo soltou-se dos relógios»p.479 ou «Saudades de não poder inventar o futuro»p.301. Para se chegar às perguntas de sempre: «Vais perguntar outra vez porque existes?/ Para quê? Para ficares com os olhos do tamanho de ilhas tristes?»p.68 ou «Mas vivos que são?/ Mortos incompletos»p.306. *****


5 – Poeta Militante III, José Gomes Ferreira, Círculo de Leitores

argumentos: ainda mais do mesmo, que percorre ainda outros caminhos. Forte insistência no tema/figura da morte: «o problema estava em não saber/morrer»p.82 ou «tornam a morte ridícula de tanto a esperarem ao espelho»p69. Reflexões sobre o seu século XX, sobre a vida, sobre o ofício do poeta: «ofício de tecer respirações de homem»p.176 e «digam-me lá:/ para que serviria ser poeta/ se não chorasse/ publicamente/ diante do mundo?»p.544. Muito bonitos os poemas sobre a Noruega e um em que interpela Sophia (p.422-4).*****


6 – O Livro das Igrejas Abandonadas, Tonino Guerra, Assírio & Alvim

argumentos: pequenos contos/poemas, como os de aqui já falei, mas todos em torno de uma determinada região e suas igrejas e gentes, coisas veladas, silêncios, cruzamentos de tempos, certo ar de magia e poder oculto da existência… Mais: «Mais solitário que Deus não há ninguém»p.28 e a história de «A Ovelha» - uma delícia.****


7 – Uma das últimas tardes de Carnaval, Carlo Goldoni, Colibri

argumentos: comédia da boa (também se recomenda A Estalajadeira), quase sem enredo e cujo carisma reside na linguagem pura e nos diálogos. Personagens a quem o amor parece querer sorrir, mas com alguns dos cuidados e medos típicos. Mas o texto, que teve a sua estreia a 23 de Fevereiro de 1762, ou seja, imediatamente antes de Goldoni partir para França, parece ser uma despedida do próprio dramaturgo ao seu público, pois Anzoleto faz o mesmo antes de partir para a Rússia, apresentado os seus cumprimentos e agradecimentos aos convidados da festa: «onde quer que tenha estado sempre trouxe o nome de Veneza gravado no coração»p.123.****


8 – A Baía dos Tigres, Pedro Rosa Mendes, D. Quixote (BBL)

argumentos: «Este é um livro sobre coisas simples: a tranquilidade do medo e a vitalidade da morte»p.13. Mas também um livro sobre a vida ou a esperança dela/nela, apesar de tudo, através das suas múltiplas facetas, em muitas histórias que relembram o prazer de ouvir contadores num cruzamento do real com a ficção em que dificilmente se percebe onde acaba um e começa outro. Relato a partir de uma viagem real por um continente minado («Minas à frente, atrás, à esquerda, à direita. Minas dentro de nós»p.81), de Angola a Moçambique (mais centrado em Angola), com uma estrutura não-cronológica, assistemática, que prende pelo humanismo que respira em cada página. «O viajante é apenas o seu relato, identifica-se com ele porque dele extrai a sua identidade; não existe fora do mapa; viajante e mapa são uma e a mesma identidade»p.221-2. *****



TV:

Câmara Clara (2:)

Argumentos: cultura da boa. Paula Moura Pinheiro conduz inteligentemente áreas tão diferentes como literatura, cinema, política, música, pintura, ou tema como cidade, felicidade, pós-colonialidade… Com sugestões de leitura, de espectáculos, de filmes, de cds, sempre com temas actuais e convidados topo de gama.*****


Música:

Susana Félix - Pulsação

argumentos: Fiquei apaixonado por «Flutuo» há uns tempos. Depois uma ou outra música agradável em novelas que o zapping apanhava na tvi. Depois a sua nova sonoridade no Gato Fedorento. Depois, finalmente, Pulsação na minha mão, nos meus ouvidos. Muito bom, do início ao fim. É uma espécie de best of, com novas roupagens para os temas antigos. Destaque para: «(bem) na minha mão», «Flutuo», «Fintar a pulsação», «Sou eu», «Luz de presença»… E ainda para uma aqui não incluída: «O mesmo olhar». Voz simpática e bonita, sem exageros, melodias simples e eficazes – directas à melancolia.*****

Cinema:

Sweeny Todd

argumentos: Tim Burton, Johnny Depp (muito bom aqui) já são razões suficientes. Juntem-se-lhes Alan Rickman e Helena Bonham Carter. Músicas de Stephen Sondheim? Mais. Depois porque um musical negro não é coisa que haja muito por aí. Está muito bom, embora chegasse a um certo momento em que pensei: «isto nunca mais acaba?». Grande trabalho de fotografia, de direcção artística e guarda-roupa, além da realização e interpretações.****

Gangster Americano

argumentos: Ridley Scott novamente a realizar com Russell Crowe e agora também Denzel Washington. E adoro Russell Crowe. Não é o meu tipo de filme, com crimes, polícias e drogas, de longe, mas gostei, no geral. Um pouco longo…***

Nota: este ano não fui ao Correntes d’Escrita, mas destaco o vencedor: Ruy Duarte de Carvalho com Desmedida, embora eu preferisse que vencesse O Outro Pé da Sereia de Mia Couto.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

da vida dos outros

Têm acontecido coisas. Muitas, tantas.

O meu professor de Latim I e II, e Cultura Clássica I esfaqueou um jovem. Há muitas narrativas sobre o assunto por aí a circular. Estou como a Marta: «Coincide tudo: a idade, Montalegre, casado, com filho pequeno, prof da uiv do Porto, a bíblia. só não estou a vê-lo a sacar da naifa e fazer um golpe à bruce lee».
Tudo se resolverá pelo melhor, tenho a certeza.

Muitas ideias para os contos de Vazio Repetido - do colóquio e não só. Mas não escrevo... talvez por preguiça.

Festas de aniv. em família, jantar em casa da Tia Cristina, ida ali e além para estar com amigos que não se vêem há muito tempo...

Algumas leituras pelos meios, quebradas e sem o fôlego que gosto de lhes dar.

A Consti fez Teoria da Literatura e já só lhe falta História da Língua II. E Ofereci-lhe 7 livros aqui há tempos, como prendas atrasadas de anos... E como vou ser milionário, agora quer a Byblos inteira, para não ter falta de espaço.

E agora à Su: Mesmo distante no espaço que nos separa e nas indisposições da vida que nos ocupa desejo-te um feliz aniversário. Festa como só tu sabes ter ano melhor que todos os outros. PARABÉNS.

E o Expiação só ganhou um Oscar - mas bem, o de melhor banda sonora.

José Gomes Ferreira - selecção pessoal e condicionada pela leitura actual...

Após a leitura dos três volumes da poesia de José Gomes Ferreira, em Poeta Militante, edição Círculo de Leitores, lá fiz a minha habitual selecção dos poemas favoritos, além dos versos que vou sublinhando. E faz já parte dos meus favoritos – na verdade, já fazia dos poucos que ia conhecendo daqui e dali. Aqui fica a selecção (era suposto ser um por volume, mas a rebeldia deu-me para isto).



I

(Enquanto os aliados a caminho de Berlim morrem, eu entretenho-me a ver a chover na Rua da Palma, espalmado num portal a cheirar a urina podre.)

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?


Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

Vol. I, p.311



Não fui eu que pintei o sol no céu,
nem as nuvens no Ar
com água de prata.


Quando nasci já tudo estava no mundo
com relvas e azuis,poentes e sombras,
pobres e cicatrizes...


Porque então estes remorsos
de andar a sofrer não sei por quem
a culpa de haver rosas e haver vida?


Palavra! não fui eu
quem atirou a lua para o céu!

Vol. I, p.340



XLIII

(Na morte de Manuela Porto)

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio."
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir à despedida. Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!" E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes… (primeiro, os olhos… em seguida, os lábios…depois os cabelos…) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo… tão leve…tão subtil…tão pólen…como aquela nuvem além (vêem?) - nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis…

Vol. II, p.195



XXXIX

(Regresso ao mundo das palavras.)
Dou um pontapé nestas árvores de carne e folhas.

Mas esperem!

A palavra árvore não é uma árvore,
momento de sombra,
nem a palavra sol queima a pele das mãos.
E até hoje nunca vi voar a palavra rouxinol.

Ah! Se eu pudesse colar no papel o canto dos pássaros,
o esfarrapar concreto do canto verdadeiro dos pássaros,
e esta mão de sol que cria a invenção das flores.

Mas não.

Sempre as mesmas palavras,
com alçapões de bruma.

Sempre esta resignação à Poesia
com pontes mágicas para coisa nenhuma.

Vol. II, p.237



XIX

Em certa noite de sol pando
descobri que os deuses da Grécia
vinham de quando em quando
visitar os seus parentes escandinavos
num rasto de danças,
flautas,
escravos,
sistros,
liras de acordes.

Vi-lhes tantas vezes as pegadas
no ritmo da neve fluida
dos fiordes!

Vol. III, p.324

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Sortes

Há momentos assim, de sorte, muita sorte. Segunda lá fui eu para Lisboa. Enquanto o mundo parecia destruir-se para aqueles lados, eu ia dormitando e às vezes lendo Baía dos Tigres (de Pedro Rosa Mendes), completamente ignorante. E quando cheguei não dei por nada. Está bem que chovia um pouco, mas nem trânsito, nem inundações, nem nada de nada. Melhor.

À chegada à Gare do Oriente, Feira do Livro da Caminho. Na verdade, quase nada da Caminho, mas enfim. Muito parecida com o conteúdo da feira do Mercado Ferreira Borges, no Porto. Mas ainda assim comprei três números da revista Ficções (9, 10, 11) por três euros cada, e quatro livros de Enrique Vila-Matas: Longe de Veracruz, História Abreviada da Literatura Portátil, Filhos Sem Filhos, Bartleby & Companhia – mas o melhor é que o conjunto tinha marcado o preço de 12.5€, mas quando ia pagar fui informado que na verdade os quatro, juntos, custavam 3€!!! Fiquei contente por comprar o último conjunto que lá havia (Patrícia, não sei é quando vou ler, mas Bartleby & Companhia parece-me que tem muito a ver com uma fase que passei recentemente, e Filhos Sem Filhos parece-me muito próximo de alguma da minha ideologia quanto a descendentes…).

Tive ainda sorte de a minha tia estar ainda em casa de tarde. Não me apeteceu ir para a FLUL, lá fiquei… Sorte de ficar sozinho e rever a comunicação. Apercebi-me de que estava grande (mais 5-6 minutos do que o tempo dado) e lá seleccionei umas coisas a não dizer.

Sorte no colóquio. Adorei as comunicações, e até as de língua inglesa me foram perceptíveis. Explico-me: estávamos a falar das relações entre Direito e Literatura, coisa que nunca estudei (apesar do meu ex-relacionamento amoroso com certa pessoa dessa área) a não ser de propósito para a minha comunicação – e percebi o sentido das comunicações, as relações, os problemas…

Sorte ainda porque estava lá uma pequena feira das publicações do Centro de Estudos Comparatistas. Lá comprei 7 números da revista Textos e Pretextos por apenas 8€, no total. Falta-me apenas os números sobre Herberto Hélder, Eugénio de Andrade (que cá para mim estão esgotadas) e o mais recente, sobre Manuel Gusmão. E enquanto esperava que a coisa começasse, já carregado com as revistas, programas, resumos das comunicações, canetas e pasta do Colóquio, passei os olhos pelos índices. Se do Paulo eu sabia haver um artigo na revista sobre Eugénio de Andrade, da Denise fiquei a saber que já publicou (pelo menos) no número sobre António Ramos Rosa e no outro dedicado a Chico Buarque. Ainda não li nenhuns, mas eu prometo ler o mais breve possível (podem ler-se alguns artigos aqui).

Sorte ainda pelo facto de as sessões paralelas serem três, ao mesmo tempo (como denuncia o termo «paralelas») e assim a assistência ter-se dividido, preferindo a sessão em Inglês. Na minha foram 18 pessoas, mas noutra só estavam cinco… Mas sorte porque um dos professores que ia falar na minha sessão não pode vir. Então eu e a juíza brasileira (muito simpática, descontraída e competente) Mônica Sette Lopes ficámos com mais tempo, orientado pela também muito simpática e, convenhamos, bonita, professora Cristina Nogueira da Silva. As reacções à minha comunicação foram as esperadas: risos em alguns momentos (pelas maluqueiras dos romances), e reflexões em torno do dissídio interior. Apenas uma pergunta no fim, que me deixou um pouco atrapalhado, mas que resolvi em cinco frases. No final alguns, da assistência e as senhoras que partilhavam a mesa comigo, deram-me os parabéns e disseram que queriam ler os livros - o meu principal objectivo. Houve até quem me tivesse perguntado se este era o tema da minha dissertação – e eu disse que não, que não percebia nada de direito e coisas assim... mas as senhoras da mesa e esse assistente disseram que eu até percebia do que estava a falar (graças à internet e à investigação que tive de fazer). No fundo, eu era o puto maravilha lá da zona, que falava de coisas que ninguém conhecia. As literaturas africanas realmente são o meu futuro… acho que fui seleccionado para o colóquio mesmo por causa disso: o desconhecido que ainda é a literatura africana (lembrei-me agora da festa de casamento da Joana em que um dos convivas da minha mesa em perguntou com um ar meio curioso meio escandalizado: Há literatura em África?, depois de eu ter dito que era isso que estudava no mestrado).

Sorte nos transportes todos. Uma maravilha. Sorte na biblioteca – pude requisitar um livro só de fim-de-semana numa terça-feira…
Só não tive a sorte de puder ficar até ao fim. A dentista esperava-me quinta de manhã, na Régua. E para voltar a tempo tive de apanhar o autocarro das três e quarenta e cinco em Sete Rios. Ou seja, já não assisti à tarde do segundo dia, nem à comunicação de uma das minhas professoras do Porto – Maria de Lurdes Sampaio.

Fico por aqui. Não falo em particular de comunicações ou de oradores, até porque gostei de quase todos. Mas agradeço à organização, na pessoa da Sónia Ribeiro pelo voto de confiança, pela simpatia, pela disponibilidade.

Termino com as palavras da Su em sms: «Vai correr bem. Tu és bom. O resto são coisas em que nos fizeram acreditar, que nos iludiram. Não há presságios agoirentos, não para gente iluminada como tu. Boa sorte» (momentos antes de entrar para a minha sala, vendo um pássaro aflito tentar sair do corredor da FLUL, enquanto eu tinha um momento de recuo no tempo, voltando ao momento em que um pássaro estava preso no corredor da FLUP e batia contra os vidros, no dia em que me inscrevi no estágio e escolhi a Boa Nova como escola…). A Su percebe-me melhor do que ninguém. Mas não era uma gaivota!
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Dois pequenos fragmentos da minha comunicação «Os direitos e as leis: Os Dois Irmãos de Germano Almeida e Quantas Madrugadas Tem a Noite de Ondjaki»:

«Votado ao ostracismo pela comunidade, uma vez que fica invisível nela e para ela (ID, p.77, 127), a personagem tem de optar entre o amor do outro e o amor de si. Na perspectiva do direito natural, de tradição, não é um simples ajuste de contas, mas um exercício de justiça – a que o pai de ambos, vítima e réu, não recusa, antes incita, sabendo que depois fará o luto - e a que a mãe tenta fugir mantendo os dois, o que não está previsto no romance. Segundo a ordem positiva, André não podia matar o irmão, porque é um crime, mas segundo a ordem natural, André não podia não matar o irmão - por necessidade de desagravo sem outras justificações.» (p.3 do artigo)
[...]

«Ondjaki encena uma conversa entre um homem que fala e outro que vai ouvindo e, perante a noção da inverosimilhança da história que vai contar, o narrador tem a necessidade de alertar o seu ouvinte:

Uma pura estória daquelas com peso de antigamente, nada de invencionices de baixa categoria, estorietas, coisas dos artistas: pura verdade, só acontecimentos factuais mesmo. A vida não é um Carnaval? (QMN, p.16)

ao mesmo tempo que remete para a ideia de verdade para o leitor, não no plano da história contada, mas da possibilidade de tal acontecer por retratar a verdade (a sua verdade) dos vários sistemas convocados, dando já a pista de leitura de que o relato será do domínio do carnavalesco ou subversivo, embora real.» (p.8 do artigo)

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Diálogo alemão-português com interferências em inglês...

- Diz-me o que vês. Na tua língua - disse em Inglês, a meu lado.

Da cama, eu via o tecto.

- Tábuas: umas para dentro, outras para fora, em relevo. Pintadas de branco. Imperfeitas, com nós, mal cortadas, com mossas. Desfilam de uma ponta à outra sem interrupções - parei, no meu Português que tentava ser claro.

Sem mais, deitou-se em cima de mim, corpo com corpo, peito com peito, faces a dois centímetros, e disse:

- O que vês agora? - em Inglês.

- O rosto com quem queria passar o resto da minha vida - em Português.

Não sei se me percebeu, mas disse-me em seguida em Inglês:

- Agora é a minha vez.

E saiu uma formulação incompreensível em Alemão. Ri-me um pouco, do discurso sem sentido para mim, da pressão que me fazia o seu corpo, numa tentativa vã de aliviar o peso do momento. Riu-se também. Ia dizer qualquer coisa, mas arrependeu-se. em vez disso, apertou as minhas mãos nas suas e beijou-me. Beijámo-nos pela primeira vez, como se fosse a última. E foi. Pelo menos para já...


em dia que seria de namorados. em que o sonho se mistura com a realidade, ou a realidade é tão boa que parece sonho. de amor que nem sempre tem de se realizar para permanecer eterno, ou que tem apenas de se realizar numa outra coisa que não a vida consciente para que se ganhe novo fôlego. ou porque.

outro prémio


PRÉMIO AMIZADE
Lugares de afectos, reais e virtuais, que visito e me visitam amiúde e me enchem o coração


A Denise, amiga que fui conhecendo melhor através do seu excelente blog, Rabiscos e Garatujas, seguiu o exemplo do Felizes Juntos e lá me deu um prémio... Do meu blog disse: «Tulisses - Do TUlinho, onde vai experimentando as suas aventuras literárias».



Obrigado!
*
Nota: a pedido/ordem da Denise, e porque realmente tem razão, aqui fica o destaque aos ícones feitos pelo Paulo. São realmente extraordinários! Por isso mesmo é que usei as imagens nestes posts!

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

II. 10. A adivinha

Ao deitar-se sozinha mais uma vez, a adivinha ouviu um cão ladrar aflito passando pela sua janela. Não pôde deixar de pensar, Hoje vou morrer. Mas o sono tomou conta dela nos seus braços e embalou-a. No dia seguinte, ao acordar, a vizinha entrou-lhe pela casa adentro com a notícia de que o seu marido morrera na guerra. Ao saber que o seu amado morrera, apercebeu-se de que não se enganara no vaticínio e sorriu como os mortos podem sorrir.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

prémio



O felizes juntos premiou o meu blog na secção Leitura Deleitável (faz pensar? ai que chatice!). Do meu Tulisses disseram: «porque vale a pena».


Talvez valha. Obrigado.


Mudanças

De volta a casa. É bom voltar às minhas pessoas e coisas. Os meus livros todos à minha volta. Sei que daqui a uns tempos já vou estar outra vez a desejar estar no Porto. Mas o que eu quero agora é exilar-me em Lisboa... Por causa do mestrado, claro. Entretanto, vou mudar o meu quarto de cá: a disposição dos móveis não (fiz isso há meio ano, ou coisa que o valha), mas pelo menos alguns objectos, organizar os livros (entretanto comprei tantos no Porto que ainda não os consegui encaixar em lado nenhum, a não ser numa caixa debaixo da cama (horror dos horrores).
*
Concorri a uma bolsa da FLUL.
*
E mudei o meu modelo do blog. Após quase três anos de Scribe (criado por Todd Dominey), alterei-me para o Minima Lefty (criado por Douglas Bowman), porque acho que o branco e sua luz me dizem mais (dizem-me mais, ou melhor, dizem mais de mim) do que o castanho mais clássico.

sábado, fevereiro 09, 2008

da minha vida



Em breve, relatos deste mês de EILC, de Porto, de presença física de amizades, de trabalho (ou nem por isso), de muitas gargalhadas e algumas lágrimas... Como o de Agosto, também recheado de imagens, um relato exaustivo... porque eu sou breve em tudo o que escrevo, menos na vida (ah ah, era para rir).

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Explicação do Sexo

há nas costas um movimento
inquieto
de ritmo sempre quebrado e refeito

tão longe quanto posso ir
percorro o corpo
num gesto imperfeito
de saber o mapa do ponto
de não retorno

mãos e bocas em regresso
até onde consigo ir
para que seja perfeito o momento?

(embora não tenha a certeza de que este poema deva aqui figurar, foi o primeiro em muito tempo)

II. 8. A prisão mental



Estou aqui, preso.
Da vontade, do sonho _________________ do sangue. A fulguração persegue os meus limites.

Quem dirá o estertor dos fins?

A mão que pulsa é também a mão que bate e procura fender o espaço. Os ruídos que saltam esvaziam-se de encontro a mim. O saber que me invadia não sonha o sangue que se derramará.

As noites em que te procuro são círculos cujo centro sou ainda eu. E os círculos fecham-se no meu eixo, sem rotação alternativa. Os dias são triângulos, quadrados, hexágonos, figuras em que me perco de encontro aos espelhos, onde me vejo de _________.

Quem dirá o estertor do fim?

Preso em figuras como se fossem reais. E são grades mais grossas do que cordas, em que a luz se derrama sem entrar. Espaço fendido como sexo que não se abre, que não se dá ao desconhecido. Assim a mente
fechada
sem limite
demarcando o meu corpo sitiado.

Os fins de mim nos fins das figuras mentais. Para daqui sair o que é possível. Quem auxilia a fuga morre __________ menos a solidão. Só há império do vazio. Bate a mão sangrenta em busca do sexo fendido, de uma , de um vazio que lhe dê ar novo, luz, que lhe permita transferir-se, átomo a átomo para o exterior.

O círculo que é fechado não abre, não tem lados nem ângulos. No escuro, perco-me e ando quilómetros em torno dele, procurando uma fresta. O corpo que choca é também o que pulsa, cada vez menos, preso no escuro do vazio que cega.

Quem dirá o estertor
quando os meus limites forem o fim
e eu daqui apenas sair quando não existir mais?

A cegueira prolonga-se à mão que bate, ao corpo que choca. Sentado no meio – ao que me parece o meio do vazio – encolho-me para me desaperceber
e me esquecer que existo dentro de mim
desfulguro-me de saber se é já hexágono, se os espelhos reflectem o meu corpo feito chagas e silêncios.

Não é círculo, é como uma laranja. Ganha volume, fecha-se sobre o cima e o fundo. Cilíndrica morte por clausura. Laranja forrada a vidros que vêem e dão a ver ao cego que lá mora _________ ou morre.

No meio ou quase
fulgura a luz de uma brecha.
É o momento de cerzir. Se a mente criou uma laranja,
essa laranja terá
de
cair
ser aberta, ser comida
apodrecer.

Os limites da laranja são os meus limites escritos num texto como se dito ele existisse. O fim da laranja é o meu início, o meu sangue é o sumo da laranja. A pele da laranja é os espelhos que quebrei à procura de brechas. E a casca da laranja é onde me aprisiono

do medo?
dos outros?
de mim?

Quando a laranja cair de madura, serei um sexo fendido, sangrando ___________ serei o outro que em mim vive. O corpo na mente varrerá o vazio para debaixo de um tapete e nele restará.

No momento em que durmo e o sonho não chega ainda, encontro a brecha da laranja que caiu e se rasgou numa pedra. Na fenda que fez, vejo a luz que cega e um frio fresco. É agora ______ que o vazio espera do outro lado também.

A morte terá de esperar.

Deixo-me sair, são as regras da laranja imaginada.
Mas quero sair?
Quero entrar no novo que me cega e me dobra?

Quem dirá o fim?


Depois de ter lido Onde Vais, Drama-Poesia?, de Maria Gabriela Llansol. Tentativa de experiência a partir de alguma coisa parecida com o que ela faz. Afinal este conjunto de contos é isso, experiências… Resultou estranho, é certo. O aspecto gráfico-visual tem toda a importância, mas aqui não ficou muito bem, nem todos os parágrafos e espaço são assumidos…