quinta-feira, dezembro 28, 2006

Despedida

de resto
não te esqueças de me
devolver
a minha parte
dos nossos sonhos

pois nós tínhamo-
- los em
comum

sonhado
ou

Hans Georg Bulla

quarta-feira, dezembro 20, 2006

poema de natal deste ano


Natal Africano

Não há pinheiros nem há neve,
Nada do que é convencional,
Nada daquilo que se escreve
Ou se diz… Mas é Natal.

Que ar abafado! A chuva banha
A terra, morna e vertical.
Plantas da flora mais estranha,
Aves da fauna tropical.

Nem luz, nem cores, nem lembranças
Da hora única e imortal.
Somente o riso das crianças
Que em toda a parte é sempre igual.

Não há pastores nem ovelhas,
Nada do que é tradicional.
As orações, porém, são velhas
E a noite é Noite de Natal.

Cabral do Nascimento

poema de natal do ano passado


A estrela

Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava

Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada

A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava

Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu

E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava

E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medoNos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava

E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada

Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava

E a estrela do céu parou em cima
de uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde azul da natureza

Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água

Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado

Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto».

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto

terça-feira, dezembro 19, 2006

Hereto-ironia

Não te falarei de mim e nem das minhas coisas
Não te guardarei mais no peito
Nem me guardarás mais dentro de ti
Nem os meus braços te farão sombras.

Não verás os dias da minha glória
Não saberás os meus novos sonhos e medos
Projectos novos e antigos feitos ou não.
Não os partilharei contigo.

Não me farás maior do que sou
Ou menor.
Não me vais proteger de nada, não preciso.

As cartas velhas não serão mais lidas
As músicas deixam de ter sentimentos
Figuradamente a elas associados.

Nem gelo, nem amoras nem velas
Não as terás comigo, nem eu contigo
Não haverá mais partilha de vida.

Nem festas, nem cócegas, nem carícias
Nem gestos, nem livros nem casa partilhada.
E se puder, nem o dia da minha morte verás.

Mas podemos tentar ser amigos, se insistes.

Momento Húmus

Um rosto disforme
Um aspecto grotesco
O people com fome
Com falta de ar fresco
(...)

refrão:
pedes-me a pistola
acertas a pontaria
pedes-me as balas
porque elas são importantes
levas a pistola
entre os teus dedos
matas a R.
porque todos to pedem
(…)


Uma criação conjunta com a Ana Verde, em 2003. Para cantarolar com a música de Pedro Abrunhosa...

All I want for Christmas is… ME

O antigo eu, aquele que via no Natal algo mais. Este ano estou com uma descrença nas coisas tradicionais. Nos anos anteriores não era quem fazia decorações porque não estava em casa. Agora estou e também não fui eu quem os fiz, não fui convocado nem para uma única opinião. As luzes de natal em Lisboa não foram muito mais do que isso, luzes, bonitas mas não são as minhas, as das minhas raízes. Também não comprei os presentes, foi a minha irmã sozinha no Porto. Não nada. A festa vai ser me casa da minha avó, como sempre. Vinte e duas pessoas (porque já vieram quatro do Brasil em Setembro, vêm agora mais quatro, também do Brasil, definitivamente.). Mas nem a família é já a mesma, porque a agora que estou mais cá apercebo-me e contam-me coisas que me envergonham de alguns deles. Nem os cd de Natal rodam tanto, nem o a All I Want For Christmas faz grande sentido este ano. Nem a leitura da antologia de Natal traz aquele espírito de alegria… Talvez também não queira. A ceia assemelha-se-me uma coisa pesada e sensaborona, os doces já não em encantam há muito, tirando os sonhos. As prendas do costume, a missa à noite (a que só vou eu e a minha madrinha), as discussões mais ou menos amenas, o calor infernal da sala cheia de gente e com lume que me faz aparecer frieiras nos dedos. Estou um pouco cansado disto, mas também não pode ser de outra maneira.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Natal em Lisboa

A semana passada fui mais cedo para Lisboa (tive aulas de recuperação por causa dos feriados). Aproveitei para passear e ver as famosas iluminações e a árvore de Natal. Diga-se que o Porto não fica nada a dever a estas iluminações.



as sete maravilhas de portugal e do mundo

vão lá votar, não custa nada...

http://www.7maravilhas.pt/index.html

http://www.new7wonders.com/

terça-feira, dezembro 05, 2006

Canção das noites e dos dias


I get along without you very well
(in: The Look Of Love, Diana Krall)

I get along without you very well
Of course I do
Except when soft rains fall
And drip from leaves, then I recall
The thrill of being sheltered in your arms
Of course, I do
But I get along without you very well

I´ve forgotten you just like I should
Of course I have
Except to hear your name
Or someone´s laugh that is the same
But I´ve forgotten you just like I should

What a guy, what a fool am I
To think my breaking heart could kid the moon
What´s in store? Should I phone once more?
No, it´s best that I stick to my tune

I get along without you very well
Of course I do
Except perhaps in spring
But I should never think of spring
For that would surely break my heart in two

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A palavra felicidade é excessiva, e excessivamente abstracta.

Chove

Chove lá fora e chove em mim.
Representação das coisas dadas como certas
E naturais e que incomodam
Como se andássemos nelas.
Chove como nos poemas de Pessoa.
Chove continuamente sobre malmequeres
Mas também no interior e não é natural.
«Se ao menos chovesse menos»!

Fazem-me falta


As conversas sobre tudo e nada no bar fumarento da faculdade. As aulas e as facadas no peito por ouvir a mesma coisa pela milionésima vez. As colegas de trabalhos e estudo intermináveis, sobretudo na esplanada a apanhar sol ou na biblioteca, a fingir que se lê Bakhtine, até que tem mesmo de ser ler. As cadeiras da BM Almeida Garrett, donde vi a grande paixão secreta da minha vida. As crianças sentadas à minha frente ou ao meu lado. As garrafas no cemitério do saxo da Su. As gaivotas assassinas e os gatos traiçoeiros. A minha senhoria, apesar de um pouco chata. As comidas vegetarianas da cantina, como o rolo de carne fingido. As músicas meio tocadas meio cantadas da Tuna. As chatices da secretaria. As idas a outras terras: Braga, Montalegre, Monte Clérigo, Lisboa, Sr.ª da Hora, – com o pessoal do costume, mais ou menos. As vistas fantásticas da minha varanda da residência. As árvores e os bancos do Palácio de Cristal. As ruas de Cedofeita, Miguel Bombarda, D. Pedro V, Torrinha, Boa Hora, Campo Alegre… A alegria e luz da Verde, a disciplina da Ana Luísa, a loucura especial da Consti, a loucura stressada e preguiçosa da Su, a doçura da Patrícia, a evasão sonhadora da Milai, a diplomacia da Diana, a contrariedade do Rui, a aparente soturnidade da Lena, as meninas fantásticas da Casa da Purificação, a serenidade da Dénia, a bondade da Alexandrina, a estilosidade da Ana Cabral, as obsessões da Bruna (Jostas, também conhecida como Jamila…), as músicas ternas da Bruna Mateus, as desconversas inseguras e inteligentes da Celine, o para além do visível do Edgar, a evolução da Eva, a flor que é a Alexandra, a simplicidade concreta da Helena e da Lara, a loucura alegre da Joaninha (e suas gargalhadas), as conversas com a Joana do árabe do medieval, a música da voz da Joana Patrícia, a sabedoria encoberta da Lídia, o francesismo da Natália, a estranheza do Nelson, a cumplicidade trabalhadora da Rute, as caras estranhas nas aulas de Brasileira da Síndia, as experiências teatrais com as duas Anas Catarinas, o primeiro contacto com os bifásicos com a Susana Melgaço, a determinação da Mariza (e a minha admiração por ela), a amizade amorosa e inteligente da Marta… As idas à Fundação Eugénio de Andrade. As demandas pelos livros esgotados, os alfarrabistas. As prendas colectivas que demoravam duas horas a planear, meia para executar e que saíam sempre ao lado do projecto. As sessões de cinema – a sério ou em casa de alguns – de Moulin Rouge a Asas do Desejo. As festas de aniversário no Por Amor à Arte ou com as deliciosas comidas das donas Manuelas e da avó da Marta, e das tentativas da Milai e da Mónica (estou a brincar). As descobertas de línguas, culturas e literaturas diferentes e inesperadas. As figuras risíveis na praxe. As idas ao teatro, sobretudo S. João e Carlos Alberto (quase sempre com a magia da gratuidade dos bilhetes). as professoras e o professor da minha vida. As músicas pimba no saxo (quando não eram gravações dos exercícios de acordeão…) e as eruditas na aparelhagem da Marta. As emoções da primeira vez que trajámos. As noites loucas da Queima (não, quem é que eu quero enganar? Risquem esta). A pseudo-serenata da Tuna Feminina (grandes Susana Alegria e Natacha). As risadas da Áurea. As ocasiões raras com a Liliane e a História. As viagens de audi e smart. As andanças no S. João. As dormidas a três (e mais) no quarto da Su. As coisas que a Marta é. Tanta coisa faz falta que não é possível ordenar textualmente nem na geografia do coração. Mas fazem-me ainda falta as mãos, as tuas, com que me redemoinhavas o cabelo enquanto lutava para não adormecer, para que continuasses mais tempo. As mãos de que uma vez disse: “Como falar das mãos que nos rodeiam e nos prendem para sempre? Ou dos lábios que nos beijam como se fossem palavras eternas?”.

Tu ainda me fazes falta.
(nota: não tentei reduzir as pessoas a uma simples característica, mas talvez seja a mais dominante ou aquela que mais falta me faz...)

quinta-feira, novembro 30, 2006

Explicação e demanda…

não é que eu acredite muito em signos e assim, sobretudo nos horóscopos feitos para o dia e semana com previsões. mas estas descrições gerais (e talvez por serem gerais) ficam-me que nem luvas nos dias de inverno. a descrição do meu signo (gémeos) não podia ser mais exacta... nem a de escorpião (antigo), e do sagitário (o compatível...)



O Erótico e o Pornográfico


Esbocemos uma distinção entre o denominado erótico e o denominado pornográfico. Trata-se de duas coisas totalmente diferentes. Podem até ter um certo objectivo comum: a elevação do ser humano para o tema do amor, do desejo e do sexo, mas usam linguagens totalmente opostas.
O termo “erótico” vem da palavra grega “erotikos”, que, por sua vez, derivou de outra palavra grega que significa amor – “eros”-, ao passo que a “pornografia” deriva de “pornographos”, palavra grega que quer dizer “escrever sobre prostitutas”.
Geralmente mais grosseira, mecânica e mais explícita do que o material erótico, a pornografia não se esforça por criar histórias credíveis ou um contexto adequado às representações sexuais. O material erótico é menos implícito, mas muito mais fantasioso, poético. Não mostra tudo, preto no branco, o que permite que a imaginação humana explore outros campos e trabalhe por si mesma, atingindo níveis ainda mais interessantes de prazer literário do que com uma linguagem mais explicita.
Em certos dicionários, erótico tem como sinónimo o “amor sensual”, o “lascivo”, enquanto que o pornográfico tem, como sinónimo a “devassidão”, “assuntos e actos obscenos”, “impúdico”.E o que se passa na literatura, passa-se, a meu ver, igualmente, nos outros campos da arte, até porque o erótico é socialmente aceite, enquanto que o pornográfico está ainda dentro de um certo tabu difícil de ultrapassar. No campo da Literatura os limites de um e outro são mais fáceis de esbater, prevalecendo uma outra distinção ténue: o que tem qualidade literária e o que não tem essa qualidade.
Hoje em dia temos uma relação bastante contraditória em relação às obras literárias eróticas. Nunca tivemos tanto acesso à pornografia, sobretudo com o aparecimento e desenvolvimento da Internet. O erotismo literário, no entanto, permanece tão marginal como sempre foi e será. Mas, numa sociedade como a nossa em que cada vez se dá maior importância à imagem, quase toda a obscenidade é convertida para as imagens. Assim, com tantas imagens explícitas à disposição, a literatura obscena deixou de ser o principal estímulo erótico das pessoas, como foi nos tempos antigos.
Entre as civilizações clássicas, foram os gregos que melhor colocaram a expressão literária ao serviço do homem, em peças, poemas e diálogos filosóficos. Na comédia Lisístrata, de Aristófanes, por exemplo, as mulheres fazem uma greve sexual contra os maridos. A poetisa Safo cantou o amor, sobretudo, ao que perece pelos poucos fragmentos que até nós chegaram, o lésbico. O filósofo Platão definiu as formas de amar em O Banquete. Os romanos continuaram o trabalho dos gregos, em obras como A Arte de Amar, de Ovídio, e Satyricon, de Petrónio, tornando-se cada vez mais escabrosos, até que a expansão do cristianismo acabasse com a farra.
A partir daí, o sensualismo clássico caiu em decadência. E, pouco a pouco, a literatura erótica entrou para a clandestinidade e, de certa forma, permanece até hoje. O que não quer dizer, porém, que ela tenha deixado de circular de mão em mão, ou de boca em boca. Histórias, versos e escritos eróticos correram a Europa durante a Idade Média e, finalmente, no Renascimento, voltaram a ter grande expressão, como nos poemas apimentados de Aretino ou em algumas histórias picantes do Decameron, de Boccaccio.
Depois da invenção da imprensa, em 1455, deixou de ser possível controlar a difusão de livros eróticos pelo mundo, pelo que a partir dos séculos XVII e XVIII, proliferaram pela Europa, provenientes sobretudo de França e de Itália. Sempre perseguidos pelo Estado e pela Igreja, os autores destes livros, às vezes célebres personalidades, escondiam-se atrás de pseudónimos. Com frequência, os livros servem ao mesmo tempo como excitante sexual e sátira aos governantes, aos costumes e aos religiosos. É desse período a obra mais polémica da literatura erótica, a do Marquês de Sade.
No final do século XIX e início do XX assiste-se à perda dos limites entre alta literatura e erotismo. Escritores já não temem misturar aos seus temas elevados algumas cenas mais quentes. E alguns chegam mesmo a fazer do próprio sexo o aspecto central das suas obras, como em O Amante de Lady Chatterley, do inglês D. H. Lawrence, ou em Lolita, do russo Vladimir Nabokov.
Por vezes, com uma linguagem chocante e histórias escabrosas, os livros eróticos abordam alegrias, angústias e dramas da nossa sexualidade. Demonstram como o sexo se relaciona com uma rede de outros sentimentos. Apontam como a sexualidade pode ser manipulada por tiranos ou por religiosos a fim de escravizarem os seres humanos. Desmontam a hipocrisia das pessoas e das instituições, e ensinam como tirar maior prazer durante o acto sexual. Dissecam o modo como a sexualidade pode levar o homem a afrontar perigosamente os seus limites morais, e esclarecem tudo o que o erotismo tem de revolucionário para as pessoas.

terça-feira, novembro 28, 2006

Mário Cesariny, Portugal, 1923-2006


Poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

novo poema

Entrar em casa
Ver-me nos espelhos
Nos vidros das janelas
Nas fotos

Ver-me nos livros que comprei
Nas flores que trouxe do jardim
Nas coisas por mim espalhadas
Ver-me a mim, apenas

E ao gato
Que dorme a aproveitar o resto do sol.

quinta-feira, novembro 23, 2006

coisas que têm de ser partilhadas

língua e linguagem

pois é, tenho lido muitas coisas. Algumas referem aspectos interessantes sobre a língua e a linguagem. Já postei uma, agora posto mais, devidamente identificadas:

« Dans un monde où le langage est encore doté d’un pouvoir magique, ce qui n’est pas nommé n’existe pas, seul ce qui est nommé a droit à l’existence.
(…)
La langue n’est pas seulement un élément de la culture, mais la condition même de son exercise. »

Sélim Abou, L’Identité Culturelle

« a língua não é só instrumento da vida de relação, de comunicação do pensamento mas também um quadro lógico e emocional de organização da experiência específica decorrente de determinada ambiência física e cultural.”

Onésimo Silveira, Consciencialização da Literatura Caboverdiana

As obras-primas da literatura

Numa aula de teoria da literatura II, teórica, trabalhámos um bocadinho este texto. foi engraçado perceber a visão completamente utilitarista e economicista de um homem sobre a literatura. mas também foi interessante tentar adivinhar os livros que fazem parte da tal lista de obras-primas... eu consegui decifrar nove dos onze livros, embora não os tenha lido todos...
aqui fica o texto, e vamos ver como andam de leituras!

Necessitei para certos assuntos que me dizem respeito, de conhecer o que os professores dos collèges chamam as «obras primas da literatura». Dei a um consagrado bibliotecário, que me asseguraram ser perfeito conhecedor delas, ordem para me organizar uma lista de obras, o mais restrita possível, e procurar-mas nas melhores edições. Assim que me vi de posse delas, não permiti a entrada de quem quer que fosse, e já não me levantei da cama.
As primeiras afiguram-se-me más e pareceu-me incrível que tais humbugs fossem realmente produtos de primeira qualidade do espírito humano. Aquilo que eu não compreendia parecia-me inútil; o que compreendia, não me agradava ou irritava-me. Género absurdo, aborrecido; talvez insignificante ou nauseabundo. Narrativas que, a serem verdadeiras, me pareciam inverosímeis, e, se inventadas, insulsas. Escrevi a um professor célebre da Universidade de W. a perguntar se aquela lista estava bem feita. Respondeu-me afirmativamente e deu-me algumas indicações. Tive coragem para ler aqueles livros todos, menos três ou quatro, que, logo às primeiras páginas, não pude suportar.
Hostes de homens, chamados heróis, que se estripavam durante dez anos a fio, sob as muralhas de uma pequena cidade, por culpa de uma velha seduzida; a viagem de um vivo à fossa dos mortos, com o fim de falar mal dos mortos e dos vivos; um doido héctico e um doido gordo que vão Mundo fora em busca de sovas; um guerreiro que perde o juízo por uma mulher e se diverte a arrancar azinheiros pelas selvas; um pulha cujo pai foi assassinado e que, para o vingar, faz morrer uma rapariga que o ama e outras personagens diversas; um diabo coxo que levanta os telhados de todas as casas para exibir as suas misérias; as aventuras de um homem de estatura média que faz de gigante entre os pigmeus e de anão entre os gigantes, sempre de modo inoportuno e ridículo; a odisseia de um idiota que, através de ridículas desventuras, sustenta que este Mundo é o melhor dos mundos possíveis; as peripécias de um professor demoníaco servido por um demónio profissional; a aborrecida história de uma adúltera provinciana que se enfastia e, por fim, se envenena; as surtidas loquazes e incompreensíveis de um profeta acompanhado de uma águia e de uma serpente; um rapaz pobre e febril que assassina uma velha e que depois – imbecil – nem sequer sabe aproveitar um álibi e acaba por cair nas mãos da polícia.
Pareceu-me compreender, com o meu cérebro virgem, que essa literatura tão elogiada está ainda na idade da pedra – o que desiludiu até ao desespero. Escrevi a um especialista em poesia, que tentou humilhar-me, dizendo-me que aquelas obras valiam pelo estilo, pela forma, pela linguagem, pelas imagens e pelos pensamentos, e que um espírito educado podia experimentar com elas satisfações imensas. Respondi-lhe que, pela minha parte, obrigado a ler quase todos aqueles livros em traduções, a forma pouco me importava e que o conteúdo se me afigurava, como realmente é, antiquado, insensato, estúpido e extravagante. Gastei, sem o menor resultado, cem dólares com esta consulta.
Felizmente, conheci mais tarde alguns escritores novos que me confirmaram o meu juízo sobre aquelas velhas obras e deram-me a ler os seus livros, onde encontrei, entre muitas coisas obscuras, um alimento mais adequado aos meus gostos. Ficou-me, apesar de tudo, a dúvida de que a literatura talvez seja incapaz de decisivos aperfeiçoamentos. É muito provável que ninguém, dentro de um século, se dedique a uma indústria tão atrasada e pouco remuneradora.

G. Papini, Gog, ed. Livros do Brasil.
Sim, eu sei que o texto também levanta questões do desfasamento gosto/qualidade, da antiguidade/permanência e actualidade dos clássicos, etc e tal...

quinta-feira, novembro 16, 2006

Senhores que podem morrer

Andam na noite da escrita
Como monges foragidos
Em silêncio.

Não os servirei.
Enquanto a morte vem e escolhe
Posso fugir

ou morrer com eles.

Top Feira das Publicações da FLUP

após quase três semanas de trabalho árduo e fantástico, aqui fica o TOP das vendas, com grande predominância das coisas que dizem respeito à literatura, ao professor e a Estudos Portugueses, claro.


1- Terminologia Linguística: das teorias às práticas
2- Colóquio Ibérico de Geografia
3- Homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen
4- A Linguística na Formação do Professor de Português
5- Meditação Heideggeriana
6- Os Reinos Ibéricos na Idade Média
7- Sartre: um filósofo na literatura
8- Estudo Cartográfico de uma Viagem à Índia
9- Cartas de um Viajante Francês
10 – África Subsariana

Revistas da Flup

1 – História
2- Filosofia
3- Sociologia
4- Línguas e Literaturas
5- Geografia
6- Ciências e Técnicas do Património

Da música



Agora que tenho estado mais tempo em casa e nas viagens de cinco horas para Lisboa e mais cinco de regresso, tenho ouvido muita música. E há muitas coisas que me surpreendem por nunca ter reparado nelas, ao ouvir coisas que estavam guardadas no pc ou em cds que se amontoam um pouco na prateleira, agora ao lado do dvds do Expresso. A menina Lúcia Moniz teve um amadurecimento notável, do primeiro para o terceiro cd. Cada vez melhor, é certo. E Leva-me p’ra casa é um cd para ouvir com alguma atenção, sobretudo para quem gosta de ver algumas construções textuais: sucedem-se as comparações e algumas figuras inusitadas, e a imagem-obsessão do “ser tudo”/”ser nada” – a totalidade e proximidade de um espaço-tempo fora deles próprios. Destaque para Chuva (I), Leva-me p’ra casa, Não podes esquecer, e Tão perto (de ser tudo).
Outra surpresa foi Back to Basics de Christina Aguilera, uma lufada de ar fresco na carreira da moça.
Uma revitalização é também The Emancipation of Mimi, de Mariah Carey. Revitalização da sua carreira e credibilidade. E bem que algumas canções tenham letras bastante inconstantes (como a Get Your Number), Mariah conseguiu um álbum bastante coeso e forte, embora não recupere a máxima glória dos anos de 1995-97, dos álbuns Day Dream e Butterfly. Curiosamente, o álbum acaba por receber três grammys que foram negados aos álbuns referidos e muitos outros prémios, graças à fórmula de sucesso que foi We belong together: Melhor Interpretação Feminina R&B: We belong together, Melhor Canção R&B: We belong together e Melhor Álbum Contemporâneo de R&B: The Emancipation of Mimi, não recebendo, no entanto, os prémios das outras categorias: Melhor Canção Soul: Fly Like a Bird, Melhor Álbum e Disco do Ano, Melhor Canção do Ano (We belong together), melhor interpretação feminina poo (It´s like that). De destacar do cd, claro We belong together, Mine Again, I Wish you knew, Your girl do lado das mais calmas, e It´s like that, Shake it off, Get your number, To the floor do lado das mexidas. A versão Ultra Platinum DeLuxe inclui ainda quarto músicas bonus, como Don’t forget about us e um dvd com os vídeos dos quatro singles extraídos e o link para o vídeo do quinto. Óbvio estratagema comercial, mas para que é fã é óptimo. Claro que Fly like a bird acaba por ser o grande monumento do álbum: uma poderosa música soul numa poderosa voz que usa e abusa espectacularmente das suas capacidades quase inesgotáveis.
E o que raio é a nova versão de Íris (dos Goo-Goo Dolls) agora cantada por Ronan Keating? É que nova versão é uma expressão mal usada: a música está praticamente igual, mas pior. A emoção desaparece, fica tudo muito melado e igual do início ao fim. O lado rock e forte da música e da voz, que arrebatavam nos momentos certos, desaparecem. É a única diferença. E o objectivo de um remake é fazer melhor, ou, pelo menos, diferente…
Volto sempre aos mesmos, que me têm acompanhado e que não me canso de ouvir: Jewel, James Blunt, Cold Play, Word Song, Diana Krall, Mariza, Mariah Carey, Keane, banda sonora da Amélie…
Por fim, e porque podia falar de muita outra coisa, de que talvez venha a falar, termino com Madonna. Mulher polémica para todas as polémicas, tem, no álbum Ray of Light o único que tenho e que vale a pena ter…) uma curiosidade: os minutos das músicas parecem ter uma qualquer significação cabalística ou coisa que o valha? Se não veja-se o jogo de correspondências entre 1-13, 2-12 e todas entre si…:

É por estas coisas que eu gosto do francês…

Si le langage laisse à désirer, il n’en est pas directement responsable. En réalité, que désignent-ils au juste, les mots ? A vrai dire, personne ne sait.

(adaptado de uns textos franceses que tive de ler...)

quinta-feira, novembro 02, 2006

ponto.

A mania que as pessoas pseudo-intelectuais têm de dizer que não se lê em Portugal é irritante, porque falsa. Se não se lê, porque surgem cada vez mais editores, livros, revistas e jornais todos os dias? Pode não se ler é o que se queria que se lesse, o cânone... Aponta-se, claro, à juventude e à infância o desinteresse pelo livro: por isso é que o Harry Potter vende mais do que a Bíblia, os livros de Sophia conhecem sucessivas edições, já para não falar em livros de aventuras: Uma Aventura, Viagens no Tempo, O Bando dos Quatro, O Clube das Chaves, Triângulo Jota, etc, e nos livros dos Morangos com Açúcar - pois é, preparem-se para os livros sa floriella! já para nã falar da leitura de blogs e sites, de filmes e séries, de uma panóplia de coisas que quem nos acusa, não tinha com tanta diversidade, oferta e acessibilidade. Tenho estudado nos últimos dezoito anos. Na Régua, no Porto e agora em Lisboa. Andei muito de comboio, metro e autocarro. Vi sempre, em cada viagem, pelo menos um jovem a ler, não necessariamente sobre a matéria de estudo, caso esse jovem fosse estudante. A semana passada, em Lisboa, vi no autocarro 45 uma mulher a ler Ensaio sobre a Lucidez, de Saramago. 1-0, ganham os adultos. No metro, vi um jovem a ler Uma Vida Imaginária, de David Malouf (que eu não conhecia…) e uma jovem a ler Cartas a Sandra, de Vergílio Ferreira. 1-2, ganham os jovens. Na estação do metro da Alameda uma rapariga lia A Cidade dos Deuses Selvagens, de Isabel Allende. 1-3. No terminal de autocarros da Rede Expresso um rapaz lia A Insustentável Leveza do Ser, de Kundera, e ao lado uma rapariga lia Cortes, de Almeida Faria. 1-5. E junte-se eu, que, enquanto observava os leitores fervilhantes à minha volta, leitores do Expresso e do Público ou da Visão, e aqueles seres leitores de tão admiráveis obras, tinha pousado por momentos o Sagarana, de João Guimarães Rosa, que me andou a fazer companhia nos últimos dias.1-6.
já para não abordar aprofundadamente a actividade bloguística, o facto de haver cada vez mais gente escolarizada, de toda a gente ler as legendas nos filmes e nos jornais de tv e do crescente número de sites dedicados à poesia…
mas lisboa tem feiras do livro: na FLUL os livros da INCM a 40% de desconto, na gare do oriente e na estação do metro do jardim zoológico, livros de várias editoras de 10 a 20%. eu, claro, aproveitei.

quinta-feira, outubro 19, 2006

último post no porto...

antes de ir para o mestrado de lisboa, quero postar um poema de Pessoa (sim, eu leio Pessoa...), não por motivo nenhum em especial, mas é uma espécie de fechamento de um ciclo, ou dois. depois disto quem sabe o que aí vem e em que passagens nos vamos encontrar... por isso:

Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longínquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.

Fernando Pessoa, 21-11-1909

segunda-feira, outubro 16, 2006

Grandes Portugueses

o programa da rtp está a tentar eleger o maior português de sempre. há quem diga que é d. afonso henriques, embora na altura portugal ainda não existisse, outros acham que é vasco da gama, embora tenha tido a necessidade de partir daqui para a índia. pronto, agora a sério. as listas são um grande pónei, que têm nomes que valha-me Deus, sobretudo se virmos os que faltam. por exemplo, tem Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida mas não tem o Herman José, tipo... Tem Eugénio de Andrade mas não Sophia ou Ruy Belo. E Salazar no meio disto tudo? mas parece que a lista é apenas um início e que irá sendo construída aos poucos (não se admirem se aparecer o Tino de Rans (ou Rãs) ou o Claúdio Ramos).

agora mais a sério, o maior português... não é muito difícil. eu, claro que não, até porque sou muito pouco português de temperamento. não. o Pessoa, claro. se não foi o maior, pelo menos foi muitos, pelo menos 27, entre os quais: Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alexander Search, A. A. Crosse, Chevalier de Pas, Charles Robert Anon, H. M. F. Lecher, António Mora, Vicente Guedes, Barão de Teive, Jean Seul, Bernardo Soares...

letras do porto

é triste deixar uma casa onde tanto cresci e vivi. cinco anos. mas mais triste é deixá-la com alguns vestígios de má impressão. primeiro, a praxe que agora nada me diz: é tarde, eu sei, mas acho-me anti-praxe, pelo menos aquela que se faz... não é necessário tanto tempo a massacrar os novatos(sim, porque o que tenho visto só por passar ao aldo são autenticos massacres intelectuais e secas descomunais. e os antigos se se dedicassem a coisas mais importantes talvez fossem um pouco melhores e um pouco mais felizes (além de acabarem os cursos mais rapidamente). depois, é ainda pior a falta de civismo das pessoas de letras ou que as frequentam: no seguinte à fantásticas festa do porco no espeto (ou qualquer coisa assim), podia ver-se: caixas de bolos sujas espalhadas pelas mesas da feira do livro, uma estante da feira totalmente desfeita, um extintor usado numa das estantes de vidro da livraria, a porta da casa de banho dos homens no piso um arrombada e... não se podia ver a caixa registadora do bar porque tinha desaparecido (assim ouvi dizer, que só vi o que podia ser visto).
enfim...

quarta-feira, outubro 11, 2006

Camões: mais do mesmo

A perfeição, a graça, o doce jeito,
A Primavera cheia de frescura
que sempre em vós florece, a que a ventura
e a razão entregaram este peito;
aquele cristalino e puro aspeito,
que em si compreende toda a fermosura,
o resplandor dos olhos e a brandura,
donde Amor a ninguém quis ter respeito;
s'isto, que em vós se vê, ver desejais,
como digno de ver-se claramente.
Por muito que de Amor vos isentais,
traduzido o vereis tão fielmente
no meio deste espírito onde estais
que, vendo-vos, sintais o que ele sente.

Embora este soneto não seja tão conhecido, quem o conhece associa-o a Camões. Pois é, também este soneto não é de Camões. foi-lhe atribuído nas edições de 1598, 1666, 1685, e nas de Juromenha e de Teófilo Braga. todos os outros editores o rejeitaram, sobretudo Aguiar e Silva (no estudo introdutório à reprodução fac-símile da edição de 1598 das Rimas). incertamente, o poema será de Dom Manuel de Portugal, segundo os cancioneiros de Luís Franco Correa e eborense (CXIV/2-2).
o soneto apresentado tem algumas diferenças, como se pode ver pela transcrição dos quatro primeiros versos:
A perfeição, a graça, o suave geito
a primavera chea de frescura
que florece em vós, que a ventura
e a rezão entregaram este peito (...)
(ver: Fardilha, Luís de Sá (1991). Poesia de D. Manoel de Portugal, Porto, FLUP)

terça-feira, outubro 10, 2006

desmistificação

A fermosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;
o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do Sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;
enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos of'rece,
me está (se não te vejo) magoando.
sem ti, tudo me enoja e me aborrece,
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias mor tristeza.

Um soneto (sim, basta ler fazendo as pausas habituais...) sobejamente conhecido, de.... surpresa, o fantástico poeta do século XVI, Dom Manuel de Portugal!!! Pois é, Camões pode ter escrito muita coisa boa (e escreveu) mas este não é dele! pode ler-se no Manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa (Ms. 8920) que é um "Soneto de dom Manoel de Portugal", e ainda há testemunhos da época da sua autoria. foi atribuído tardiamente a Camões em 1665, na edição Terceira Parte das Rimas de Camões, elaborado por Álvares da Cunha. Faria e Sousa não o incluiu nas Rimas Várias de 1685, mas nas edições oitocentistas volta a ser-lhe atribuído, bem como nas edições de J. M. Rodrigues e A. L. Vieira (1932), Hernâni Cidade, A. J. Costa Pimpão; A. Salgado Jr.
se a lírica de Camões suscita dúvidas, esta parece ter sido esclarecida por Gordon Jensen e António Cirurgião, nos quais Luís de Sá Fardilha se baseou para comprovar a autoria de Dom Manuel de Portugal.
(consultar: Fardilha, Luís de Sá (1991). Poesia de D. Manoel de Portugal, Porto, FLUP)

coisas de blog

se alguém veio cá ontem ou hoje, até esta hora, deve ter reparado em algumas mudanças. após umas experiências falhadas de colocar links, o meu blog ficou sem recent posts e sem os arquivos! pronto, tive de seleccionar novo template (que é o mesmo, claro) e tudo voltou ao normal, excepto o hit counter, que voltou ao zero por exigência do administrador, que avisou que já tinha excedido o número permitido de visitas!! (agora a sério, voltou ao zero porque eu sou um nabo nestas coisas e tive de fazer tudo de novo, logo agora que já estava perto dos oitocentos!!!).. enfim, para quem pouco percebe disto, até consegui alguma coisa...

inté

quinta-feira, outubro 05, 2006

Fernando Guimarães

Caminho

Há palavras que deixaram de nos pertencer. Alguém se refere
de novo ao seu significado, a alguns gestos que as percorreram
devagar, à proximidade de outras vozes. Mas o que persiste
há-de ser apenas o silêncio; ele vem agora ao teu encontro
para que não as esperes mais, como se fosse a tranquilidade
que encontramos no único caminho para onde agora te diriges.

Se essa sombra te acompanha é porque nela habitas

untitled


Não sei por que motivo continuamos a inventarmo-nos, todos os dias. a necessidade estranha de quereremos conhecer-nos como se disso dependesse a sobrevivência. mas ao conhecermo-nos inventamo-nos outros, diferentes, ausentes. e projectamo-nos num sonho ou mundo paralelo ou alternativo, no qual seríamos melhores, bem sucedidos, conhecidos, felizes... temos a terrível urgência de querer ser aquilo que sabemos que não seremos. e assim o mundo avança, às vezes.

terça-feira, outubro 03, 2006

desabafo

estar longe de ti implica esquecer-me nos bancos da cidade, junto ao rio, ou sentir o frio do nevoeiro sem dar conta dele. é escrever o teu ser pelas paredes sem ver o património dos outros. é andar sem direcção certa, se não a solidão. porque a morte não perece e cumpre sempre o seu papel.

domingo, outubro 01, 2006

José Régio



Improviso

Aos ventos que passavam,
Por não poder com elas
Atirei um punhado de palavras.
Se rápidas voavam,
Depressa regressavam
E tombavam
Como no céu, às vezes as estrelas
Com pétalas de flor no chão.

E o meu poema, os ventos o dirão...

dois poemas mais ou menos recentes para a mim

Antinoos I

Inventamos tantas palavras para dizermo-nos.

*

Antinoos II

Percorro as mãos
O tempo as águas
O incêndio do ser
Ténue leve sombra.

A sorte de ser novo
Eterno renascer
Justo no seu espelho
Fixo em todos os momentos.

António Botto


O mais importante na vida
É ser-se criador – criar beleza.

Para isso,
É necessário pressenti-la
Aonde os nossos olhos não a virem.

Eu creio que sonhar o impossível
É como que ouvir uma voz de alguma coisa
Que pede existência e que nos chama de longe.

Sim, o mais importante na vida
É ser-se criador.
E para o impossível
Só devemos caminhar de olhos fechados
Como a fé e como o amor.

O Professor é um segredo... (1)

O professor compra uma agenda nova, um caderno bonito, uma caneta verde. Prepara-se com expectativa (com esperança?) para o que o novo ano lhe trará.
O Professor é um aluno que não quis deixar a escola.
O professor zanga-se, "congelado", longe dafamília, horário mau, vida difícil.
Faz promessas e juras: não gasta nem mais um minuto no fim de semana, nada de projectos loucos, nem mais um tostão do bolso, nem mais um tinteiro, uma folha de papel, gota de tinta, gota de sangue, gota de suor.
Espreitem uns dias depois. O professor está, outra vez, a fazer a festa comos alunos. A festa é, quase sempre, muito maior. O Professor tem forma de coração com memória fraca. O professor não tem endereço electrónico. Não escreve textos no computador. Não quer. Diz que não, que não gosta, que não percebe. O professor insiste que prefere lápis e papel. Nunca, nunca conseguirá. Diz que não vale a pena.
E depois... O professor pede ajuda ao filho. O professor faz formação. Aceita a mão de outro professor. O professor dá mais um passo. O Professor é um caderno já muito cheio, onde encontramos sempre muitas folhas brancas. O professor fala de saúde, futuro, matemática, inglês, poesia, estudo, música, informática, livros. Sabe fazer projectos, jornais, cartazes, desenhos, receitas, teatro. Cura feridas, ampara tristezas, acalma medos. Escuta segredos, dá conselhos, conta anedotas, prepara passeios, monta exposições. Dirige a escola, dirige um grupo, escreve regulamentos, prepara oficinas, constrói materiais.
O Professor não sabe o que quer ser quando crescer.
O professor faz muitas perguntas, por dentro e por fora dele. O professor gosta que lhe façam perguntas. O professor ensina que as perguntas são a melhor maneira de aprender. O professor acha mais difícil fazer uma boa pergunta do que dar uma má resposta. O professor ensina a perguntar. O professor não sabe todas as respostas. O Professor é um ponto de interrogação com muitas respostas possíveis.
O professor tem medo. De não conseguir, de não ser capaz, de errar, de acertar, de se perder, de perder alguém. Tem medo de ter medo. Medo de não ter medo. Medo de avançar depressa, de avançar devagar. Medo de ficar parado. O professor tem medo que não aconteça nada. O Professor usa o medo como meio de transporte.
O professor chora, ri. O professor sofre, mastiga desgostos, partilha-os se forem maiores do que ele próprio. Tem sonhos, tem desejos. Às vezes pinta, às vezes canta, outras escreve. Planta flores, cria borboletas, namora, ama, tem filhos, não tem filhos, representa, dança, vai ao cinema. O professor é feliz, é menos feliz, é feliz outra vez. O professor fica parado a pensar no que sente. O professor é de todas as cores por dentro e por fora. Mais do que o arco-íris. Mais do que a maior caixa de lápis de cor do mundo. Mais do que todas as cores que se podem imaginar.
O Professor do avesso é tão colorido como do direito. O professor recomeça tantas tantas vezes, que desiste do prefixo "re". O professor caminha numa estrada que dá voltas e voltas e voltas... Não se lembra de ontem. Não sabe o amanhã. Oferece o tempo que tem. O Professor não tem princípio nem fim. O professor tem uma magia só dele. Um feitiço que lhe foi lançado, não se sabe quando nem por que fada. Ele é Bela ou Monstro, Princesa Adormecida, Gata Borralheira, Capuchinho Vermelho, Branca de Neve. As madrastas, os lobos, as bruxas, as trevas vão andar sempre por aí. Ele luta, história a história, contra todos eles. O Professor tem de ser o final feliz de todas as histórias, para que o mundo se salve. Por entre o som das palavras, o professor é cheio de silêncios que poucos conhecem. Silêncios que falam, muitas vezes, uma língua que quase ninguém se lembra de ter ouvido.
O Professor é um segredo que se deve contar em voz alta, para toda a gente ouvir.
(1)Texto publicado no Correio da Educação, CRIAP ASA, nº232, 3 deOutubro 2005.
Autora: Teresa Marques, Escola Básica 2,3 de Azeitão.
(mandaram-me este texto e não pude deixar de partilhá-lo com quem viesse aqui. até porque de professores todos temos um pouco...)

domingo, setembro 24, 2006

A Intertextualidade em actividades de leitura orientada na aula de língua materna

É amanhã que eu e a Su, a minha querida colega de estágio e amiga, sobretudo, vamos apresentar o nosso trabalho de seminário deste ano, na FLUP. fomos escolhidos para este dia especial para os novos estagiários. e aqui fica um cheirinho muito pequeno do nosso trabalho, mas só as epígrafes - que melhor maneira de falar de intertextualidade se não ir aos textos e deixá-los falar!!!



“A escrita que estava gravada naquelas tábuas era da mão de Deus, que ali tinha escrito os seus dez mandamentos, e tinha-os escrito duas vezes para marcar a sua importância, (…)”

Êxodo, XXXII-16


“is a fashionable term, but almost everybody who uses it understands it somewhat differently”

Heinrich F. Plett, Intertextuality


“a intertextualidade é entretecida pelo diálogo de vários textos, de várias vozes e consciências”.

Aguiar e Silva, Teoria da Literatura


“Mas nem assim deve entender-se que é possível e legítimo falar de intertextualidade, sempre que (e apenas porque) uma vaga semelhança eventualmente aproxima dois textos”

Carlos Reis, O Conhecimento da Literatura


“«Mas esta frase não me soa a novidade. Aliás, toda esta passagem, parece-me que já a li». É claro: são temas que se repetem, o texto é tecido por estes vaivéns, que servem para exprimir o flutuar do tempo. És um leitor sensível a estes requintes, tu, sempre pronto a captar as intenções do autor, não te escapa nada.”

Italo Calvino, Se Numa Noite de Inverno Um Viajante

sexta-feira, setembro 08, 2006

Cecília Meireles




O vento é sempre o mesmo,
mas a sua resposta
é diferente em cada folha.

Somente a árvore seca fica imóvel
entre borboletas e pássaros.

Iniciação


Era sempre depois do banho que a sua vertente lúbrica se inflamava. No quarto, ao vestir-se, inventava uma série de histórias, e personagens malucas que o impediam de vestir-se e lhe faziam coisas indecentes. E terá sido numa dessas alturas que, ao comprimir-se contra uma almofada pequena, terá sentido o prazer e a dor de ejacular pela primeira vez, ainda sem saber muito bem o que era aquilo.
E foi aos poucos ganhando a consciência de todo um mundo dominado pela tentação do sexo. Sabia mais ou menos o que era. Um primo, estranhamente até era mais novo, já lhe tinha dito para que serviam todas as coisas de que ninguém falava à sua frente, mas sempre se considerara acima de qualquer acto de nojo como aquele, admitindo para si e para os colegas de brincadeira que seria um celibtário ou lá como se dizia. Claro que não era só nojice, mas sim a ignorância de como as coisas se faziam e quando as poderia começar a fazer. E perante uns colegas tão estranhamente precoces, que afirmavam ter-se já iniciado sozinhos na descoberta de alguns prazeres proibidos, embora ainda sem a presença de uma rapariga, sempre sozinhos, no interior dos seus quartos, António achou que seria interessante experimentar, embora sem saber muito bem como o fazer. Os filmes que passavam na televisão ajudavam a imaginar, e era pela imaginação que inventava as histórias com as personagens malucas que o impediam de vestir-se e que lhe faziam coisas indecentes. Quem o ensinou a manobrar o instrumento foi um colega de escola, no balneário, depois de uma aula de Educação Física. Perante a demonstração descomplexada, António reagiu dualmente, não conseguindo imediatamente decidir-se entre a proibição de um acto tão condenável e a atenção suspensa de tentativa de aprendizagem para poder repetir mais tarde, no sossego do seu quarto.
À noite, no quarto, imitou o colega, sem grande êxito, porque uma dor imensa não lhe permitia puxar a pele como o Nuno fazia. Um pouco desiludido e envergonhado, apagou a luz e deitou-se. Escusado será dizer que acordou com a sensação estranha de alívio molhado que caracteriza os sonhos eróticos. E nessa tarde, à vinda para casa, o Nuno quis saber se já experimentara e como fora. E aconselhou-o a imaginar coisas, a lembrar-se daquelas cenas dos filmes e das novelas, das raparigas. E nem precisava de forçar, de puxar muito. Com o tempo aquilo ía ao sítio.
Não foi nessa noite nem nas seguintes, António não queria experimentar e dizia que queria ser como os padres. Mas nesse fim-de-semana uma visualização fê-lo mudar de ideias e voltar a ter os seus pensamentos lúbricos. Ouvira, no jantar, a Mãe falar dos novos vizinhos do lado, um casal que estava a tentar engravidar e que tinha vindo passar uns dias à aldeia. E agora, ao ir fechar as janelas do seu quarto, viu, na janela da casa ao lado, um homem nu por cima de uma mulher, ambos com uma expressão de dor intensa, sem conseguirem soltar-se. Sentiu subitamente o latejar do seu membro ficando erecto, ajoelhou-se, sem desfitar a janela da casa e começou devagarinho a experiência, até quase berrar perante a sensação de prazer que o invadira.
Foi assim que começou, a pouco e pouco, a explorar os mistérios do seu corpo e a sua sexualidade. E continuou o trajecto de várias formas, sempre secretamente,
Uma tarde, na altura em que os livros que tinha já tinham sido relidos, foi à estante dos livros dos pais, onde já só restavam as enciclopédias ilustradas e os livros de culinária, pretos, com pratos tão estranhos que a Mãe nunca fizera nenhuma receita por eles, e alguns livros de capas grossas e letras doiradas. Um dos livros que achou por bem ler foi Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado. Com um título daqueles só poderia ter sexo. E tinha, encoberto. Copiou todas as passagens que achava excitantes para um caderninho preto que escondia atrás dos seus livros de escola, deliciado por possuir secretamente as provas da sua própria ousadia.
Mas não chegou. Sabendo que havia mais livros em casa, foi procura-los na caixa que o pai guardara debaixo da mesa do telefone, pois, como ele dizia, já eram livros velhos e a Mãe concordava, dizendo que só estavam a enfeiar a casa. Na caixa, agora aberta, estavam romances, claro. E no fundo da caixa, alguns com capas e títulos indiciadores do seu conteúdo. Fascinado, retirou apenas esses, sabendo que do risco que corria, e escondeu-os no guarda-fatos. À noite, antes de dormir, lia sempre um bocado, às escondidas, e acordava sempre transtornado com os sonhos que tais personagens e histórias. E ia copiando as passagens mais impressionantes, o que envolvia uma dificuldade enorme de selecção, pois o sexo estava página sim página sim nesses livros.
Foi também por essa altura que o pai lhe ofereceu uma televisão velha para pôr no seu quarto. Sextas-feiras à noite, aos poucos, foi vendo séries, programas, filmes que já não o elucidavam mas que o incendiavam. E começou então a sua monumental obra. Não, não escreveu um romance erótico baseado nas suas experiências platónicas de observador nem se tornou um Don Juan. Tinha já, na altura, uns catorze anos quando, num veio de inspiração, começou a fazer uma revista. No início não sabia muito o que fazer, como, mas começou por dobrar uma série de folhas A4 a meio, agrafou-as no meio e deu-lhe um nome: Sex, em inglês, sempre era mais universal (claro que essa revista era só dele, para ele, ninguém sabia da sua existência). Na capa teria de pôr uma fotografia e algumas frases, como as revistas que a Mãe comprava todas as semanas, ou a irmã mais velha, que agora tinha a mania de comprar uma certa revista que falava de todos os ídolos das raparigas na idade parvinha da adolescência. Aliás, foi a ver essas revistas teve a ideia e começou a recolher material. Todas as sextas a Mãe deitava a revista no caixote do lixo, todos os sábados, António levantava-se mais cedo e rasgava as folhas que lhe interessavam e deixava a revista como se intacta estivesse, para ninguém desconfiar. Nas revistas da irmã nunca se atreveu a tocar, até inventar um pequeno acidente com a caixa em que ela as guardava, deitando-lhe fogo, mas tendo já antes retirado tudo o que lhe interessava.
A construção das revistas foi-se tornando uma obsessão sem precedentes na sua vida. Fazia quatro por ano, com cerca de trinta páginas cada. E ao todo fez doze. A recolha feita era nas revistas, nos jornais, nos catálogos de roupa que a Mãe recebia, mas também nas revistas diferentes das da Mãe que a avó comprava, e, qual arca dos tesouros, algumas revistas para adultos que um tio guardava escondidas no guarda-fatos, mas desde que ele fora trabalhar para França, sem data para regressar, faziam as delícias de António.
Era à noite que António trabalhava nas suas revistas. À luz do candeeiro, em frente à janela onde vira o jovem casal que queria engravidar. O afinco que colocava no trabalho seria facilmente provado se pudéssemos ver qualquer um desses exemplares únicos, escritos à mão e com fotografias coladas com fita-cola nas pontas. Escolhendo uma ao acaso, a número sete, tem na capa uma foto de uma mulher sorridente com uma camisa meia transparente e um homem à sua frente, a olhar para ela, em tronco nu. Segue-se um índice e depois vários artigos: “O Beijo ao longo dos tempos” (provavelmente retirado de uma das tais revistas para donas de casa…), uma entrevista com um actor português que participou numa novela brasileira e que terá feito umas cenas quentes, outro artigo chamado “Filmes Proibidos (continuação)”, ilustrado com fotografias de O Império dos Sentidos e outros, segue-se ainda um desdobrável de roupa interior masculina e feminina encimado por uma nota: “Extra”, e depois páginas inteiras de revistas recortadas e coladas falando de “Sexo criativo”, “Sou louco por louras”. Por fim, após algumas páginas de excertos dos livros que já havia lido, ele próprio escreveu dois “Contos Eróticos”, terminando a revista com um elucidativo “Na Próxima Revista”. É interessante ler os seus contos. O primeiro chama-se “A Primeira vez” e é a história de uma mulher que passeia por um jardim e que é possuída por um desconhecido numa ponte. Mas a história evolui para uma relação matrimonial, para menáges e outras trapalhadas que acabam em bem para todos. O outro conto chama-se “A Festa de Aniversário” e conta a história de uma mulher que faz anos e que durante a festa seduz o pianista da festa, acabando por “conduzi-lo para a cozinha”, onde ele acaba por “atirar-se a ela, despindo-a e despindo-se a si próprio também” e o resto que se adivinha.
Seria inútil descrever ainda a quantidade de brindes que as revistas oferecem: livro com filmes aconselhados, cartas com fotos de artistas nus, etc.
Poder-nos-á parecer estranho tanto homem e tanta mulher. De facto, a revista não faz distinção sobre o público, que era apenas ele. Talvez lhe interessasse o sexo no seu pleno e não apenas um dos seus intervenientes…
Depois de tudo isto, resta talvez dizer que o António morreu aos vinte anos, num acidente de viação. Ao arrumarem o seu quarto, descobriram uma caixa que dizia: ao Nuno. Entregaram-ma ontem e hoje e todos os segredos de António, as revistas, o caderninho preto e o seu diário, onde estão todas as informações que aqui apresentei, acabaram por ser reveladas. Ou talvez não. Nem todas. Mas a quem interessam as verdades quando toda a gente as tenta esconder?
Maio de 2006

Tormes 2006







jantar na Casa do Lavrador
"gato psicótico" - exposição
vista sobre a casa da Lagariça - que inspirou A Ilustre Casa de Ramires
vista da janela da capela da feq (devia estar na vertical...)

Com alguma sorte consegui novamente ser bolseiro para o Curso Internacional - Seminário Queirosiano: “Eça de Quiroz: como da crónica nasce a ficção”.

Domingo – 23 de Julho

Cheguei à estação da Ermida às 7:33. na estação vazia conheci a primeira amiga tórmica deste ano: a Catarina (Leiria, Univ. de Lisboa), amiga da Sofia (do ano passado). À chegada encontrámos já algumas pessoas na quinta. Durante o jantar os primeiros contactos, que acabam por ser os mais fortes, estranhamente, arbitrariamente: Ricardo, Verónica, Tiago, Jerónimo…). Depois do momento do café, muito animado, o pessoal foi dormir. Este ano fiquei na Casa do Túnel, no andar de cima, com o Nelson (São Tomé). O quarto era enorme e tinha quarto de banho e quarto de vestir! Estávamos servidos ainda de uma sala e cozinhas enormes, com sofás e televisão, que partilhávamos com o pessoal debaixo: Edite (Cabo Verde), Leonilde (São Tomé), Jerónimo (Colômbia) e Ricardo (Porto-EUA).

Segunda – 24 de Julho

Após uma noite muito mal dormida, com o susto terrível do comboio (o 1.º a passar de madrugada), lá me preparei para a rotina matinal: 8:15 o pequeno-almoço, 9:00 no autocarro, 9:30 início do curso. O pequeno-almoço era fantástico: leite e café, sumo de laranja, croissants, pão, compotas e manteiga, queijo e fiambre, e as fantásticas cavacas de Resende. As viagens foram mais agradáveis, já não “havia o pavimento degradado”, porque o estavam a arranjar naquela semana!
Na fundação, após as primeiras vistas rápidas e fugazes, tivemos as sessões de trabalho. Começámos com o conto “Singularidades de uma rapariga loura”, com a prof.ª Isabel Margarida Duarte. Seguiu-se a prof.ª Annabela Rita, que também trabalhou connosco de tarde: a crónica e sua estrutura e definição genealógica e algumas incursões por O Primo Bazílio, que virá de algumas ideias já espalhadas por crónicas de Eça de As Farpas.
Seguiu-se uma visita à casa de Tormes: os móveis originais da casa e as coisas que vieram da casa de Paris, os livros, as fotos, as histórias em torno delas…
O jantar foi na casa do lavrador, que tenta recuperar o ambiente do século XIX através da gastronomia e do uso de objectos da época: candeias a petróleo, regadores de lata, mesas e bancadas grandes de madeira… o jantar foi broa quente, pataniscas de bacalhau, azeitonas, sopa, e - típico e queiroziano – o arroz de favas. A terminar, o leite-creme! O jantar foi animado pelas conversas, as histórias dos moçambicanos e pelo professor de música, que tocou gaita-de-foles.


Terça – 25 de Julho

Depois do banho frio, tivemos a manhã preenchida com a prof.ª Elza Miné e com a prof.ª Annabela Rita, e continuámos a ver a produção cronística e passámos por O Conde de Abranhos. De tarde ainda tivemos um curso rápido sobre os instrumentos tradicionais de Baião com o professor Vasco: bombos, caixas, tamboril, palheta, flauta, gaita-de-foles, viola braguesa, viola amarantina, rabeca chuleira, cavaquinho… Acabámos o dia em Tormes com a prof,ª Isabel Margarida Duarte a terminar o outro conto e trabalhámos o conto “O Tesouro” – e eu oficialmente passei a ser o leitor em voz alta…
Chegámos cedo à quinta, com bom tempo, e aproveitámos para dar um passeio e dar uns mergulhos na piscina. À noite, após o jantar na quinta, fui ver as Donas de Casa Desesperadas e acabei por ficar até às 3:15 no paleio com a Edite e o Nelson!

Quarta – 26 de Julho

De manhã tivemos a prof.ª Elza Mine (“Uma partida feita ao Times”) e a prof.ª Isabel M. D.: “No Moinho”. A tarde foi reservada para o passeio por Resende: visitámos o Museu Municipal de Resende – a exposição arqueológica e etnográfica da região (fantástica) e a exposição sobre Edgar Cardoso (“o engenheiro, o professor, o génio”... e o “Escritor”;) ).
Seguiu-se St.ª Maria de Cárquede onde se voltaram a contar as histórias de D. Afonso Henriques e as velas, a Nossa Senhora grávida mas e já com Jesus nos braços (branca – mas negra) e o sardão. Depois, a caminhada para a casa da Lagariça, um local fantástico, com um jardim excelente e enorme, com algum abandono e que terá inspirado o espaço de A Ilustre Casa de Ramires. Adorei profundamente.
O jantar foi em Arêgos e muito simpático (no mesmo sítio do ano passado). Vimos ainda uma exposição de pintura e escultura de artistas de Famanlicão, de onde se destacavam os delirantes “Gato psicótico” e “Gato estrábico”. Chegámos todos moídos a asa, mas ainda estive no paleio com a Joana (Lisboa), Ricardo e Elizabete (Lisboa)…
Neste dia a Visão esteve todo o passeio connosco!!!

Quinta – 27 de Julho

A prof.ª Elza Miné continuou com as crónicas e Fradique Mendes, e a prof.ª Isabel M. D. enveredou por “A Perfeição” e “José Matias”. Ao fim da tarde tivemos o passeio pela zona de Baião: Ribadouro, Pala, Gôve e parámos na abertura da feira gastronómica do anho assado, onde provámos alguns doces da Teixeira e de Resende. Em Ancede visitámos a capela da Nossa Senhora do Bom Despacho – observámos com atenção o trabalho de restauro dos altares de madeira do barroco popular que representavam a vida de Jesus (infelizmente não pudemos tirar fotos). Jantámos no Casarão, em St.ª Marinha do Zêzere (o mesmo do ano passado) e foi espectacular. O pessoal divirtiu-se com a música tradicional tipo rancho e dançaram de tudo um pouco… Brilhou a Aldinida (Brasil) e os passos do forró!
Já em casa, o pessoal reuniu-se quase todo na nossa sala e jogámos ao jogo de bater as mãos na mesa, cantámos em sânscrito, crioulo de cabo verde e de são Tomé. Foi a noite mais divertida, que só terminou com a aventura nocturna: eu, o Ricardo e a Elizabete fomos levar a Lala (Madagáscar-Bélgica), a Márcia (Porto-Famalicão) e a Eva (Porto-Famalicão) à casa dos moinhos – e afinal sempre havia um moinho! Foi giro porque estava super escuro e só tínhamos um candeeiro pequeno de jardim que pouco iluminava!
Nota: o gato amarelo e branco apareceu nessa manhã à beira da minha cama!

Sexta – 28 de Julho

A professora Elza Mine acabou o curso com a crónica interminável “Os Ingleses no Egipto”. A segunda sessão acabou por ser ao ar livre e terminou com o pessoal a cantar a canção do Nelson. Após o almoço, voltámos a cantar para a Sr.ª Dona Maria da Graça e fomos gravando tudo.
As despedidas foram rápidas – todos foram para o Porto, a Lala ainda ficou na quinta, eu vim para a Régua. E pronto, com saudades nostálgicas (passo a redundância), foi mais um curso, bastante melhor que o anterior, mas igualmente enriquecedor nas amizades e no lado humano.

Notas: as camisolas do Marcos (Galiza): “Eu nunca serei yo”, “Galiza e Portugal – a mesma língua”…

músicas

A música portuguesa vive de coisas que às vezes me fazem arrepiar. A última que o conseguiu foi “Flutuo” de Susana Félix. A simplicidade aparente, uma letra mínima, repetida e elíptica, potenciadora de sentidos mais vastos parece-me um caso bastante interessante e original. A nível musical pode não haver uma regularidade (segundo o UM), mas talvez seja isso que dá também encanto à música: suave, discreta, acompanhamento de palavras, numa inseparabilidade ou comunhão entre fundo/forma. A descontinuidade, mesmo existindo, é anulada pela sensação de evasão que nos alcança, ou de desprendimento, de deixarmo-nos ir: “o meu destino está fora de mim e eu aceito”, mas também aceitação, comunhão, como se realmente estivéssemos a flutuar num rio, mas também um certo desinteresse ou desistência, e o deixar as coisas correr (ou flutuar), até ao “amanhã”. Depois repare-se no refrão, que pela sua brevidade ou concisão acaba por nos permitir pensar em vários sentidos, já para não falar no desfecho, que parece ser uma repetição e surpreende-nos com uma subtil mudança de verbos e pronomes pessoais que transformam todo o sentido. Além disso, é de destacar a beleza do verso “fazer de mim pretérito mais-que-perfeito”, de um carácter inesperado. Mesmo as rimas e sonoridades estão originais e bastante interessantes. E depois tem um piano e violinos, tipo…

Mas há outras músicas que me fazem arrepiar, noutro sentido. Não falo da música pimba ou popular, mas da outra, daquela que surge nos tops e dá nas rádios nacionais. A última sensação, bem, já há algum tempo, é “Sei-te de Cor”, de Paulo Gonzo. Talvez o senhor tenha andado a ler “sei os teus seios/sei-os de cor” de Alexandre O’Neill, mas se calhar isso é demasiada pretensão minha. Enfim, os meus ouvidos foram (já não são, porque mal começa a música eu mudo de estação, nas raras vezes em que ouço rádio) bombardeados com uma voz terrível, sem beleza ou qualidade nenhuma. Mas nem é isso que mais me incomoda, porque ele já era assim nas outras músicas mas só esta me leva à náusea! É que a música começa e termina muito suavemente, mas só com a voz dele em destaque, é só ele que faz a melodia (ou melhor, tenta…). O resto é uma guitarrada com piano (???) e bateria, que abafam um pouco a pseudo-voz. Enfim, música foleira e banal, mas má, servida com um certo pretensiosismo a grande coisa (só se for grande pónei)… Reparemos na letra, que é o que nos diz mais, a nós amantes da literatura. As rimas, quando existem, não são más nem boas, escapam – mas isso é um pormenor. A repetição também existe – mas aqui é integral, quase toda a letra é repetida! Depois, vemos que a construção do texto é sobre a omnisciência que a voz possui do objecto do discurso: “Sei de cor”, “”sei cada capricho teu”, “sei ao pormenor o teu melhor e o pior” são exemplos dessa sabedoria, que chega a irritar: “sei de ti mais do que queria”, como é possível amar alguém que se conhece assim tão bem? Enfim, o pior é que o conhecimento, além de ser sobre o físico e sobre o psicológico, é também adivinhatório: “sei cada capricho teu e o que não dizes ou preferes calar”. A acrescentar “sei por que becos te escondes” – o que nos diz isto da mulher???? E a cereja no topo do bolo, de uma congruência e lógica matemática fascinantes: “Numa palavra diria: sei-te de cor” ??? Quantas palavras estão ali? Eu conto quatro: um verbo (sei), um pronome (-te) – pronto, esta pode contar como uma – uma preposição (de) e um nome (cor). meu Deus, eu sei que sou de letras, mas estas contas eu ainda sei fazer!!! Obviamente o senhor que escreveu tamanha barbaridade e que a canta também deve saber, mas o artifício de escrita foi mais forte e ele não lhe resistiu, já que não encontrava coisa melhor para ali pôr… O pior é que a coisa até pegou e já rendeu uns eurositos ao fulano.

No meio disto tudo, porque uma demasiado sintética e outra completamente descabida, quem se vai aguentando bem é a Floribella!!!

terça-feira, julho 18, 2006

Tormes 2006 - o futuro

pois é, como eu tenho um grande espanhol dentro de mim (=grande ego), consegui uma nova bolsa para fazer o curso internacional de verão na Fundação Eça de Queiroz. Vai ser altamente, embora a Marta desta vez não vá... o que é muito chunga, mas é a bidinha. ao menos vou fazendo coisas úteis ao meu currículo, ao meu crescimento pessoal e social. além de que acaba por ser uma semana de férias interessante (se não chover e não estiver frio, como acabou por acontecer o ano passado).

mais informações:

www.feq.pt

www.quintadaermida.planetaclix.pt

e pronto, mais uma ainda...

mais uma muito bonita... da Lúcia Moniz

sexta-feira, julho 07, 2006

Lista de Livros para as Férias

Como vem sendo uso, aqui estou eu a divulgar a lista de livros para as férias de Verão. Como já começaram (desde o famoso dia 31 de Maio…) alguns deles já foram lidos, outros esperam nas estantes e na mesinha de cabeceira (que tem sempre cinco, ao contrário do número três aconselhado pela minha Luz Inspiradora), e outros tentam imiscuir-se pelo meio, e bem gostaria, mas o tempo foge sem deixar hipótese de satisfação. No entanto, são quatro meses de muitas leituras, devem ter algum resultado, além do prazer… Assim, já li:

1- Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle
2- O Aleph – Jorge Luís Borges (fantástico: os labiritos, os tigres, os livros… a juntar ao deserto, o infinito e o jogo de xadrez…)
3- Todos os Nomes – José Saramago (muito bom, mas não o melhor. Só para quem gosta de Saramago a sério)
4- 4 Contos de Puchkin
5- Novelas do Defunto Ivan P. Bélkin – Puchkin
6- Metade da Vida – Francisco José Viegas (é poesia, e alguns poemas são muito bonitos)
7- Satíricon – Petrónio
8- O Rapaz de Bronze – Sophia
9- Fim de Partida – Samuel Beckett
10- Três Contos de Máximo Gorki
11- O Código da Vinvi – Dan Brown (sim, li finalmente e até gostei de algumas coisas, mas tem muitos póneis, claro)
12- A Noite de Natal – Sophia
13- Anais de Pena Ventosa – Pedro Eiras (potente, fantástico, maravilhoso – com algumas partes um pouco secas – mas fala de tudo: Deus e Igreja, amor, Idade Média, Portucale e passagem a Porto, a vida, a solidão, a amizade. Cheio de intertextualidades dissimuladas ou identificadas. Realista e fantástico. Numa palavra: esmagador!)

Espero ler até ao final de Setembro:

14- O Retrato de Dorian Gray – Oscar Wilde
15- O Fantasma dos Canterville e Outros Contos – Oscar Wilde
16- Mrs. Dalloway – Virgínia Woolf
17- Gargântua. Pantagruel – Rabelais
18- O Outro Pé da Sereia – Mia Couto
19- Macandumba – Luandino Vieira
20- Felicidade – Will Fergunson
21- Confissões de Narciso -Autran Dourado
22- A Ilha do Dia Antes – Umberto Eco
23- O Senhor Ventura – Miguel Torga
24- O Monte dos Vendavais – Emily Bronte
25- Bíblia: o Novo Testamento (é mais pequeno, para começar…)
26- Alegria Breve – Vergílio Ferreira
27- Poesia – Manuel Alegre
28- Poesia I, II, III – Fernando Pessoa
29- Poesia – Álvaro de Campos
30- O Futuro em Anos Luz (antologia de poesia portuguesa do séc. XX)

Imiscuições (eu sei que a palavra não existe mas é possível):

31- A Ciranda de Pedra – Lygia Fagundes Telles
32- A Vida Verdadeira de Domingos Xavier – Luandino Vieira
33- A Casa Velha das Margens – Arnaldo Santos
34- Sinais de Fogo – Jorge de Sena
35- Dom Casmurro – Machado de Assis
36- O Outono do Patriarca – Gabriel Garcia Márquez

quinta-feira, julho 06, 2006

Flutuo



Esta é uma canção que se pode ouvir em algumas rádios e até em novelas (Dei-te Quase Tudo). E tenho gostado muito dela, apesar de não ser fã de Susana Félix. Mas é interessante e sabe bem…

de volta...

Após uma longa ausência, voltei. Pensei que o Tulisses tivesse morrido quando o estágio acabou. Mas não. Voltou, ainda mais interessante. A actividade bloguística continua, sobretudo em http://www.bandalhismo.blogspot.com/, onde se podem encontrar os melhores poemas bandalhistas de sempre. Não passa de uma brincadeira, mas bastante interessante…

As férias prolongam-se, bem como o desemprego. E o futuro é incerto. Vou dar explicações de 12.º ano na próxima semana. Regresso ao Porto. Entretanto, continua a vida de leituras compulsivas e de tentativa de escrever o meu livro, que tem o primeiro capítulo escrito e o segundo vai-se construindo gradualmente. Mas em princípio são apenas cinco capítulos, portanto não é mau de todo. E escrever tem sido uma aventura interessante que me tem levado por caminhos estranhos e inesperados. Nada do que tencionava escrever seguiu seu rumo e Inventário das Coisas Sós é totalmente diferente do que eu esperava (sonhava). Mas é melhor.

Quem ler este texto deve pensar que o meu livro deve ser uma coisa magnífica: nem sei escrever um texto correcto! São só um amontoado de frases justapostas sem nexos de ligação. Enfim, só posso dizer que o livro está melhor, ligeiramente.

quinta-feira, junho 08, 2006

terminar como comecei: Sophia

Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen, Geografia

quinta-feira, junho 01, 2006

e pronto, amanhã chega ao fim aquilo que já acabou terça e oficialmente acabou quarta e se calha já tinha acabado há muito mais tempo. pois é, amanhã é o último dia que vamos à escola.

e depois, férias!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!/desemprego:(

enfim,. a vida é bela e amarela e nós estamos nela.

quinta-feira, maio 25, 2006

o que faz falta (trabalho de seminário a partir de uma crónica de M L Lepecki)

O que faz falta

O que faz falta, para Maria Lúcia Lepecki, nestas questões de poesia no ensino secundário, é deixar a poesia ser poesia: “superfície e profundidade”, “mistério”, “musicalidade”, “representações e significados”.
O que faz falta é uma verdadeira metodologia do ensino da poesia. Não só no ensino secundário e obviamente. Já no ensino básico os alunos lêem uns poucos poemas, tendo ainda a ideia de que os poetas não são “umas pessoas muito normais” e que “os poemas são textos difíceis”. E os professores partilham da opinião, colocam os poetas de lado e continuam com o texto narrativo. Até que os alunos chegam ao ensino secundário e são confrontados com Sophia, Torga, Eugénio, Herberto ou Al Berto nos seus poemas ligeiramente mais difíceis e as dificuldades aumentam, bem como o desinteresse e o “desprazer”.
Interessante e necessário será motivar os alunos desde muito cedo para a fruição estética da língua, do poema na sua componente verbal: sons, ritmos, cadências, rimas, repetições, prolongando a infância onde já se contactou com trava-línguas, lenga-lengas e adivinhas. E conduzir os alunos gradualmente para o jogo que a poesia encerra em si, para a poesia visual, para os poemas tradicionais, para os grandes poetas nas suas composições mais simples (aparentemente), de sabor medieval, até. E começar também, de forma provocatória, a desmistificar a poesia: todas as palavras são permitidas, tudo é assunto para a poesia, “tudo é tempo de poesia”. E então surgem os grandes temas, acompanhados de metáforas, comparações, imagens, hipérboles: vida, amor e morte – e todos os assuntos a eles ligados.
Introduzir os alunos na “cidade da poesia” é possível recorrendo ao desafio, “ao mistério” e à “questão de superfície e de profundidade”. Mostrar que um poema pode ser interpretado de diversas formas, dependendo da leitura que se faz dele – individual ou colectiva, contextualizada ou descontextualizada, analítica ou expressiva. A poesia é para ser lida (ou comida), mas em voz alta, com todas as técnicas que se aconselham: boa colocação de voz, volume adequado, expressividade, respeito pelo ritmo, acento de determinadas palavras-chave. E reler, muitas vezes, até que o poema fique em nós, sempre pronto a ser activado em qualquer altura. E reler novamente até que a sua forma e estrutura se justifiquem por si mesmas, tudo comungue de uma unidade própria que poderá ser destruída por uma outra forma de unidade, vista por outro leitor, mas que não deixa de ser a nossa forma, com todas as virtudes e falas inerentes. E só assim o poema será dito, ou antes, passado aos alunos. Só pela técnica do jogo ou pela técnica do encantamento podemos seduzir os alunos para os mistérios da poesia.
Na prática docente, isso poderá ser difícil. Das aulas que observei no sétimo ano, as adivinhas e trava-línguas seduziram os alunos, “A Nau Catrineta” também teve os seus efeitos positivos, mas “Chuva Fina” de Cecília Meireles foi já um choque para o qual os alunos não estavam preparados. Poesia próxima deles, com as inquietações deles funciona melhor. Nas aulas de reforço, pude trabalhar com alguns o ritmo do Hip Hop de Boss AC em “Que Deus” por confronto temático com “Os Senhores da Guerra” dos Madredeus – e a sedução foi de outro género. Foi sedução efectiva.
No décimo segundo ano, em que o programa e o fantasma do exame final não permitem perdas de tempo, nota-se uma difícil abertura e compreensão da poesia de Pessoa. Ainda me lembro de tentar dar o poema “Pobre e velha música” de Pessoa, em que tentei demonstrar, entre outras coisas, a importância da escolha das palavras que, alteradas, mudam todo o sentido do texto: e era apenas o caso de uma preposição “inocente”. Ou Alberto Caeiro (anti-poeta) de que os alunos gostaram, o “senhor estranho” que vê as coisas como elas são, sem inventar para elas realidades outras. E os alunos aperceberam-se de que convivem com a poesia no dia-a-dia, que nasceram com ela, pois entendiam as refutações do “senhor estranho” e viam outra realidade: a que está diante dos seus olhos.
Mistério e jogo, sedução e encantamento: duas abordagens diferentes, auxiliadas pela fruição, que se devem complementar para atrair o maior número de alunos possível, porque se a poesia “não se diz”, ela está nas ruas, expectante.

sexta-feira, maio 19, 2006

são elas... sim, as boas!!!

AULA INAUGURAL, de Mário Quintana

É verdade que na Ilíada não havia tantos heróis como
na guerra do Paraguai ...
Mas eram bem falantes
E todos os seus gestos eram ritmados como num balé
Pela cadência dos metros homéricos.
Fora do ritmo, só há danação.
Fora da poesia não há salvação.
A poesia é dança e dança é alegria.
Dança, pois, teu desespero, dança.
Tua miséria, teus arrebatamentos,
Teus júbilos
E,
Mesmo que temas imensamente a Deus,
Dança como David diante da Arca da Aliança;
Mesmo que temas imensamente a morte
Dança diante de tua cova.
Tece coroas de rimas...
Enquanto o poema não termina.
A rima é como uma esperança
Que eternamente se renova.
A canção, a simples canção, é uma luz dentro da noite.
(Sabem todas as almas perdidas...)
O solene canto é um archote nas trevas.
(Sabem todas as almas perdidas...)
Dança, encantado dominador de monstros,
Tirano das esfinges,
Dança, Poeta,
E sob o aéreo, o implacável, o irresistível ritmo dos teus pés,

Deixa rugir o Caos atônito...

Luandino, Mia Couto e outros africanos


Mia Couto esteve na FLUP na terça-feira passada. foi uma tarde muito interessante, com um anfiteatro nobre repleto de gente sequiosa por ouvir e poder falar com o autor de "O Outro Pé da Sereia", o seu mais recente romance. Ainda não li o livro, mas de certeza que é fantástico, como todos os outros, sobretudo "Terra Sonâmbula" e "Chuva Pasmada" - tão diferentes mas tão fantásticos!
Hoje soube-se a notícia de que Luandino Vieira (finalmente) recebeu o Prémio Camões. Sendo o prémio de literatura em língua portuguesa mais importante, acaba por ser a maior honra que um autor lusófono pode receber. Ao lado de Luandino Vieira estão nomes como: Miguel Torga (1989), João Cabral de Melo Neto 1990), José Craveirinha (1991), Vergílio Ferreira (1992), Rachel Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), António Candido (1998), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Autran dourado (2000), Eugénio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Ruben Fonseca (2003), Agustina Bessa Luís (2004), Lygia Fagundes Telles (2005).
Grandes nomes aos quais se junta o maior escritor Angolano (Pepetela que tenha paciência), fantástico pela imaginação prodigiosa, pelas descrições apaixonadas da cidade de Luuanda, pelas personagens extraordinárias (Pedro Caliota e o Mau Miau, João Vêncio...), pela criatividade linguística (não só dada pelo casamento entre o português e línguas bantas a nível lexical, mas também sintáctico, mas também semântico - criando uma nova forma de ver e dar a ver a realidade, usando técnicas semelhantes às de Guimarães Rosa, e às quais Mia Couto e Ondjaki são devedores). E apesar de não ser muito fácil (ou exactamente por isso), ler a sua obra torna-se numa prática de prazer e fruição, de constante surpresa e ostranenie no sentido mais pleno do conceito...
Finalmente, notícia só de que este mês é de leituras africanas. Depois de "O Último Voo do Flamingo" de Mia Couto, estou a acabar "Quantas Madrugadas tem a Noite" de Ondjaki. Seguem-se "O Testamento do Senhor Napumoceno da Silva Araújo" de Germano Almeida, "O Outro Pé da Sereia" de Mia Couto e "Makandumba" de Luandino.
Por fim (ou finalmente 2) - agradecimento à Professora Cristina Pacheco pela conferência "Da importância dos textos africanos nos Programas de Português dos ensinos Básico e Secundário e no programa de Literaturas em Língua Portuguesa", realizada no da 15 de Maio na FLUP, a pedido do meu núcleo de estágio (Boa Nova).
Mas mais do que isso, agradecimento à Prof. Cristina Paheco por me ter introduzido de uma maneira tão apaixonante ao mundo das literaturas africanas, que poderá ser a minha vida futura...

quinta-feira, maio 11, 2006

Produções artísticas

vou dar a minha última aula no dia 18 de Maio. A notícia... tenho muita coisa para fazer com eles, mas não sei se tenho tempo... de qualquer maneira. aqui fica a montagem que fiz para o último dossier.

quarta-feira, maio 10, 2006

Inventário das Coisas Sós (pequenos excertos de uma grande obra ainda por escrever)

No início era o verbo, assim dizem. Deus, sozinho no seu poder, cria o universo, as estrelas e planetas em redor delas, satélites em redor deles. Nesses planetas, ou pelo menos num deles, cria uma série vidas que culmina no homem. Há quem diga que tudo foi criado para o homem, que na altura era apenas Adão, o grande nomoteta da história. Mas na verdade, ou na minha, Deus fez tudo por um acto egoísta e um pouco louco de destruir a sua solidão infinita. Pouca sorte teve, pois logo teve de expulsar os seus novos amigos porque estes se portaram menos bem. No meio disto tudo não sei onde ficam os anjos nem as outras pessoas que são Deus: uma pessoa trina não pode sentir-se só… mas nem todas as Pessoas são compreensíveis às luzes da lógica e da matemática.




Todos os degraus da escada sentiram o seu peso e se prestaram como encosto para as costas curvadas pela avidez ainda, mas cada vez menos, cega de ler nitidamente. Por vezes rangiam como se lhes custasse ou então como se se condoessem com situação tão estranha. E também eles, todos seguidos uns aos outros, permitindo reinventar constantemente o mito de Ícaro, numa versão mais segura, se sentiam sozinhos porque nunca estavam no mesmo plano para poderem ser-se iguais. E, no fundo, o soalho de madeira era apenas uma escada cujos degraus tinham conseguido superar o estado de desigualdade e unir-se solidamente. Ou o contrário – talvez no início tudo fosse conjunto e só com o passar dos tempos as coisas se transformaram e se tornaram sós.


Naquela noite os livros pareciam respirar. Por entre as cortinas brancas, algumas esfarrapadas, os seus sussurros eram cicios mornos, estranhos, roçando as orelhas, a nuca, o pescoço. Deitado no chão, Alberto sentiu uma súbita tentação de volúpia, um desejo de ternura, de contacto, de entrega e abandono de si. As mãos, tantas vezes vazias, enchiam-se agora de desejo satisfeito, a pouco e pouco. Cá fora, as folhas agitavam-se com o vento nocturno e algumas amoras mais maduras caíam no chão.

segunda-feira, maio 08, 2006

quinta-feira, abril 27, 2006

santiago


houve quem tivesse ido. eu não. fiquei em poiares a preparar aulas que depois correram mal. mas já me ofereceram uma caneca e mandaram-me fotos. esta é uma das fotos do chão que eu não pisei, a chuva que não me molhou, dos reflexos que não presenciei. mas vejo-os, e são tão bonitos...

Dois poemas recentes


Imitação da Felicidade I

Imito-te
como as aves ao vento.

26/04/06


Imitação da Felicidade II

Imito-te
como as cúpulas ao sol.

Porém
as torres só se vêem no chão quando chove.

E a imitação
é triste porque existe a noite.

27/04/06

quarta-feira, abril 26, 2006

Reflexos


Só porque sim. e porque é bonito.

Conselho de Nicamor Parra (Chile)

JOVENS
Escrevam o que queiram.
No estilo que lhes pareça melhor.
Passou demasiado sangue sob as pontes
para continuar-se a crer
que possa seguir-se um só caminho.

Em poesia tudo é permitido.

Com a condição expressa
é evidente
de superar-se o papel em branco.

quarta-feira, abril 19, 2006

candidatura e ensino

a minha candidatura foi invalidada, que loucura!
tudo porque supostamente já tenho "qualificações próprias" e por isso tinha de concorrer já certinho, com escolas e tudo. ora, como o tipo de candidato nãos e pode mudar no melhoramento de candidaturas, estou excluído!
que pena, eu que gostava tanto de dar aulas a criancinhas!;)
tenho mesmo de rever a minha vida, e não é por causa do concurso, claro. o que fazer? não sou suficientemente bom para viver da escrita (quase inexistente, neste momento) nem há hipóteses de investigação a sério... por muito que as literaturas lusófonas chamem por mim, há o jornalismo como possível escapatória, ou não...
uma coisa é certa, ser professor de português, mesmo de secundário, está fora de questão, não é o que quero fazer na minha vida futura. repetir as mesmas coisas, muitas das quais em que nem sequer acredito, usar as estratégias de sempre que nem sempre são adequadas, eficazes ou pertinentes... e depois, ter de fechar todas as portas, aliás, só se podem abrir e fechar portas sucessivamente (e nunca abrir mais do que uma), rotular tudo, encaixotar tudo em esquemas e conceitos que só podem ser aqueles, e ser-se rigoroso na interpretação de textos, não podendo deixar abertas as hipóteses dos alunos (como, se o texto literário é a construção infinita de sentidos e possibilidades?), coitados, que nem raciocinam e só têm de desenhar um círculo no V ou no F ou escolher uma resposta entre três possíveis...
e porque de facto o ensino do português é uma treta pegada (e isso vejo da minha experiência de observador de aulas e de aprendiz de alguma coisa, de vez em quando) não quero fazer parte de uma classe estupidificante como esta. claro que há excepções, mas não as conheço nem trabalham comigo.
e mesmo que quisesse ser diferente, fazer (não no ano de estágio, claro) aquilo que acho necessário fazer, não poderia: não sei fazer como elas querem, já não sei fazer à minha maneira...
é por isso que este ano a minha vida tem de tomar um rumo orientador. vou concorrer a vários colégios privados e fazer um mestrado. de preferência, gostava de ficar no colégio de minha aldeia. para fazer a experiência de efectivamente ter turmas, alunos com quem trabalhar num projecto coerente e constante, sem cortes abruptos pela constante mudança de professores, de forma sequenciada e globalizante.
e se, no final de tudo, a coisa não resultar, a experiência tem de ser ou noutro campo ou noutro país.
dói descobrir agora que por vezes os sonhos são tão estúpidos como a vida.