segunda-feira, abril 18, 2005

Como um Romance de Daniel Pennac - Comentário, parte 2

O livro termina com aquilo que o autor intitula de “Os Direitos Inalienáveis do Leitor”, que é uma lista de direitos que os jovens devem conhecer, para que não sintam a leitura como obrigação (com exemplos retirados da minha experiência pessoal):

1 O Direito de Não Ler
(não leio todos os dias leitura recreativa, não leio tudo o que já deveria ter lido…)

2 O Direito de Saltar Páginas
(quando li pela primeira vez As Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, aos 12 anos, saltei os vários capítulos da viagem e só li a novela de Joaninha – mais tarde, aos 15 foram precisamente os capítulos da viagem que mais interessaram)

3 O Direito de Não Acabar Um Livro
(podemos deixar livros a meio por diversos motivos. O último foi Os Cento e Vinte Dias de Sodoma, do Marquês de Sade, ao qual não tenciono voltar nunca…)

4 O Direito de Reler
(reler as obras de que mais gostamos pode dizer muito de nós. Já reli todos os livros de Uma aventura, na infância, mas também reli o Gilgamesh, a Odisseia, releio poemas de Sophia, … – por vários motivos: gosto pessoal, necessidade escolar, uma tradução melhor que entretanto surgiu,)


5 O Direito de Ler Não Importa o Quê
(sobretudo no início da paixão pelos livros, depois com o tempo o gosto literário refina-se: li desde Os Cinco, Uma Aventura, Alice Vieira, aos livros de Júlio Dinis e Almeida Garrett, até a romances cor-de-rosa e banda desenhada de western e coisas semelhantes, ou seja, tudo o que ia apanhando nas prateleiras dos meus pais e tios…)

6 O Direito de Amar os “Heróis” dos Romances
(o quanto eu não gostava dos heróis de Uma Aventura, ou não me “apaixonei” por Maria Eduarda ou pela Georgina dos olhos azuis…)

7 O Direito de Ler Não Importa Onde
(no comboio, na cama, na biblioteca, no jardim, na praia, na sala, em todas as posições possíveis e imaginárias…)

8 O Direito de Saltar de Livro em Livro
(a possibilidade de não se circunscrever a um livro em determinado momento. Um livro de obrigação (estudo, profissional), um livro de entretenimento (romance, contos..) e um livro de devoção ( qualquer género, aquele livro que mais nos marcou e que gostamos de reler). Geralmente, além dos textos escolares, vou lendo ficção e poesia…)

9 O Direito de Ler em Voz Alta
(dá uma outra magia à leitura, sobretudo quando se lê poesia ou prosa muito bem escrita, com musicalidade...)

10 O Direito de Não Falar do Que se Leu
(geralmente tenho sempre necessidade de falar sobre o que li, a não ser que tenha sido uma coisa terrível. Mas é um direito que assiste o leitor e que deverá ser transmitido aos jovens, para os tranquilizar…)


(adapatado de um trabalho de MEP I)

Como um Romance de Daniel Pennac - Comentário, parte 1

Como um Romance tem este título porque se lê como se fosse um verdadeiro romance, mas é, no fundo, um ensaio sobre as relações que as crianças e jovens estabelecem com a leitura.
O autor analisa várias situações que lhe são fornecidas pela sua experiência de pai e de professor e, obviamente, de leitor. A questão impõe-se desde o início: qual o motivo para os jovens não gostarem de ler? É ideia quase consensual de que os jovens não lêem e que não gostam de o fazer quando têm necessidade disso, a nível escolar.
O filho mais velho do autor tem de ler um livro para a escola e não consegue avançar na leitura. A televisão (passividade, facilidade), jogos electrónicos, “o anacronismo dos programas, a incompetência dos professores, a decrepitude das instalações escolares, a falta de bibliotecas” podem ser alguns dos motivos que levam o jovem a afastar-se do livro. Ler é um acto que exige maior esforço intelectual do que assistir a um qualquer programa de televisão, em que muitas vezes só na imagem reparamos. O que se deve tentar fazer é arranjar tempo para a televisão, a música, os jogos, as saídas em grupo e a leitura.
Uma das estratégias de levar a um encantamento para a leitura é a descrita pelo autor em vários dos capítulos da obra: ler histórias aos meninos, desde pequenos, exactamente antes de irem dormir. Toda a magia dos mundos ficcionais, criados pelas leituras feitas pelos pais, levam a criança a iniciar um gosto pela leitura, que mais tarde se traduz não pela audição da história mas sim pela leitura da mancha gráfica, leitura feita pela própria criança. Esta prática poderá vir a criar na criança o gosto e até a necessidade de continuar a ler.[1] A escola não pode é quebrar este encantamento. Por um lado, os pais devem continuar a insistir nas leituras antes da hora de dormir, por outro, a escola tem de potenciar leitores, atraí-los, e não afastá-los (programas desajustados, métodos de leitura desinteressantes, …). É isto que acontece ao filho mais velho do autor: por um lado, a escola e seus programas, pelo outro, a “Trindade” formada entre o menino, o pai e o livro quebrou-se, deixando-o sozinho com o livro que acaba por se lhe tornar “hostil”. Pode-se retomar a actividade de ler para o jovem, criando novamente a magia pelos mundos paralelos que surgem, até que o jovem nos peça para ser ele a ficar sozinho com o livro, para criar uma outra intimidade e superar barreiras por si mesmo.
Além disto, o autor chama a atenção para a “gratuidade do prazer de ler”, ou seja, ler é um prazer pessoal e os adultos (pais ou professores) não devem exigir ao jovem a prova de uma competência, não lhe apresentar o livro como esforço a ser vencido...
Na segunda parte da obra, o autor, valendo-se da sua experiência como professor, começa por abordar a questão da leitura referindo expectativas dos pais, professores e até dos alunos (perante a leitura). A primeira grande constatação é a de que os jovens não têm tempo para estarem consigo mesmos e com o livro, (é o piano, desportos, festinhas, aulas suplementares de línguas e de informática,...).
Sugere a ideia de “dar a ler”, ou seja, a ideia de que “o culto do livro resulta da tradição oral”, que vai ser demonstrado depois na terceira parte da obra. Este trabalho pode e deve ser desenvolvido pelo professor na sala de aula (o professor de língua materna, sobretudo, mas também os outros), e pode passar, por exemplo, por actividades como a leitura em voz alta de um livro durante uma aula ou, posteriormente a esta prática, a criação de bibliotecas de turma, clubes de leitura, … Trata-se de criar leitores, mas esta criação deve ser entendida somente como uma redescoberta do prazer de ler (“Acontece apenas que o prazer de ler estava ali à mão de semear, sequestrado nos sótãos adolescentes por um medo secreto: o medo (muito antigo) de não compreender”). O objectivo é criar leitores, através da leitura na sala de aula em voz alta de romances, contos… Deixar crescer um gosto pelas histórias, pelas personagens, pelo livro, pela vontade de querer saber o que se segue a determinado acontecimento; esperando que com isto os alunos cheguem a tal ponto de curiosidade que vão eles próprios procurar o livro na biblioteca, em casa ou na livraria para descobrirem o resto da história, ou até, que comecem, eles próprios, a procurar livros que lhes poderão interessar para ler. Assim, afasta-se a ideia de que ler custa, não tem interesse, utilidade/prazer, de que não se percebe nada do que os escritores escrevem, …
Uma das ideias principais da terceira parte é a de que os livros que estão nos programas são sempre “chatos” e os alunos lêem outras coisas (humoristicamente, o autor diz que Madame Bovary é “seca” para os alunos franceses que têm de o ler na escola, enquanto que para os alunos americanos é já uma obra “interessante”, porque não faz parte do seu currículo, e a correspondência completa-se com a obra de Salinger L’atrape-couer, de que os americanos não gostam e que os alunos franceses lêem com prazer). Isto porque se uma obra está num programa escolar ela tem de ser chata e não se faz o esforço de a ler por se ter medo de não compreender (e temem-se as avaliações...).
Reforça-se a ideia de gratuidade da leitura: para haver esta reconciliação com a leitura, o professor não deve pedir nada em troca (exigir comentários, resumos, fichas...), porque quando a reconciliação estiver feita serão os leitores a questionar-se sobre o contexto cultural do livro, a biografia/obra do autor, e eles próprios falarão do que leram.
Contar livros é também uma técnica de sedução, nem que seja um resumo em três palavras, como diz o autor, desde que consiga prender a atenção de um futuro leitor dessa obra.

[1] Se bem que existam casos de crianças a quem nunca leram histórias e que mais tarde se tornam leitoras, e o oposto também aconteça…

Um texto com alguns anos, mas há coisas que nunca mudam...

Um texto que eu escrevi depois de um exame ou prova global qualquer, enquanto esperava pelo autocarro para ir para casa. É verídico. reparem no fantástico pormenor do carro!


Paciência

Parou um carro azul à minha frente, com um senhor jovem e gordo; de camisa aos quadrados azuis, verdes e amarelos; que bebia água e falava ao telemóvel.
Parou um autocarro Rodonorte e lá foram umas seis pessoas embora.
O homem do carro azul, um citroen saxo de matrícula 93.33.OV, está a ler um livro enorme, mas parece ir nas primeiras páginas. A leitura está a ser desagradável e por isso pousa o livro no banco do lado. Recosta o banco para trás, bebe mais água e espera... Quem espera desespera! É o que aparece acontecer... Em apenas cinco minutos fez tudo isto e muito mais. Não para quieto um segundo.
Liga o rádio: notícias, apesar de já serem 11:14 horas. Aperta o baraço dos calções de licra azul, olha para o relógio e espera. Desaperta um botão da camisa, coça a cabeça, põe as mãos no guiador, no banco do lado, na janela...
Grande seca, e ainda faltam mais quarenta minutos.
Pega novamente no livro, que agita por breves momentos. A sua capa é branca, totalmente branca, sem imagens.
O autocarro já abriu, mas ainda não se pode entrar, está apenas a refrescar.
O vaivém dos carros é constante, mas o seu barulho ainda permite ouvir o som lubrioso das andorinhas e de outros pássaros. Corre uma brisa refrescante do rio.
O homem espera.
A paciência tem limites, assim como o Homem. Começa a comer bolacha de água e sal: são mais saudáveis...
Uma senhora velha e magra passa a passadeira e procura o seu autocarro.
Na estação, acaba de chegar o combóio das onze e meia, na linha dois, plataforma um.
Aparece um senhor de olhos azuis, todo esfarrapado que olha a gente com olhos desconfiados e segue caminho.
Vem um senhor a vender gelados, cujo negócio está em grande, ultimamente.
A paciência tem limites, e o Homem também. O limite da paciência atingiu-se, o Homem ainda não atingiu o seu limite.
Atira o livro para o rio. Atira as bolachas para a mata, atira a água para o chão. Gira a chave e atira-se ao desconhecido, procurando atingir o seu limite terreno.
Entretanto, chegou a hora de entrar no autocarro e ir para casa.

15/06/00

segunda-feira, abril 11, 2005

No surprises - Radiohead - lindo, não? É pena, mas às vezes pode ser o melhor...

No suprises

A heart that´s full up up like a land fill.
A job that slowly kills you. Bruises that won´t heal.

You look so tired and happy.
Bring down the government, they don´t, they don´t speak for us.

I´ll take a quiet life, a handshake, some carbon monoxide.
No alarms and no suprises,
No alarms and no surprises.
Silent,
silent.

This is my final fit, my final bellyache with no alarms and no surprises.
Such a pretty house, such a pretty garden.

No alarms and no surprises.

Thom York – Radiohead

2 poemas inspirados por Monte Clérigo

Monte Clérigo I

O sol torra a saída inicial
E só sinto o forte cheiro a sal,
Molhado,
Caio na beleza magistral
E penso, extasiado,
Que me podia perder,
Facilmente,
Nas curvas de um búzio
Mesmo que estivesse a chover.


Monte Clérigo II

Aqui tudo é azul
Mar, céu e ar.

De manhã, quando o sol é breve
A solidão existe e extasia.
Não se sai dela e vive-se
Como se no mundo
Apenas existisse beleza.